Quando este Verão a Netflix anunciou que estava em desenvolvimento O Príncipe Dragão (“The Dragon Prince” no original inglês), uma série criada por Aaron Ehasz, um dos diretores e escritores do Avatar: A Lenda de Aang, e Justin Richmond, um dos responsáveis pela série de videojogos Uncharted, os fãs rejubilaram. Quatro anos depois de A Lenda de Korra, sequela direta do Avatar, estava na hora de retomar o universo que nos ensinou a todos uma das mais famosas linhas de abertura de uma série, e que nos convenceu que conseguimos controlar os elementos se fizermos movimentos suficientemente extravagantes.
Apesar do entusiasmo com que esta novidade foi recebida, as dúvidas acumularam-se desde que as primeiras imagens e o enredo foram revelados. Afinal, Korra teve uma recepção algo crítica pelos fãs hard core de Aang, que não perdoaram o facto de que o Avatar se tornou uma adolescente impetuosa, numa série cuja escrita foi acusada de ser superficial e de fraca qualidade em comparação com a original.
A revelação do primeiro teaser d’O Príncipe Dragão não ajudou: censurado por ter uma animação estranha e considerada perdida entre o 2D e o 3D, difícil de assistir devido à sua baixa taxa de FPS (fotogramas por segundo), o sucesso desta história de dois príncipes humanos que se aproximam de uma elfo assassina acabou ameaçado ainda antes do seu lançamento.
Felizmente, tudo mudou quando a Nação do F… oops, quando a série foi finalmente lançada em Setembro de 2018. Ao longo dos seus 9 episódios temos a oportunidade de conhecer melhor as personagens principais: por um lado, um Reino de humanos acusados de terem atacado o Rei dos Dragões, e por outro, os elfos presos numa guerra eterna contra estes (se Rayla tivesse uma classe em D&D seriam claramente uma elfo ladrão, com o seu equipamento furtivo e sombrio). Uma das razões principais por detrás desta guerra é o facto de se julgar que o último dos Dragões morreu, ainda no seu ovo, morto pelos humanos. Porém, os nossos heróis inesperados descobrem-no e tentam travar a guerra pelas suas próprias mãos, lançando-se no mote desta aventura.
Nada disto são spoilers, já agora; o trailer oferece-nos de imediato toda esta informação, condensada num minuto de vídeo, antevendo a dificuldade da viagem que os protagonistas terão de empreender, numa missão com ecos de Irmandade do Ovo do Dragão.
Estamos perante uma história interessante? Sem dúvida. Descendente orgulhosa do Avatar? Só em alguns aspectos.
Realmente, encontramo-nos mais uma vez num universo imbuído de magia, desta vez a magia de 6 elementos: o Sol, a Lua, as Estrelas, a Terra, o Céu e o Oceano. São elementos ligeiramente diferentes do Fogo/Terra/Água/Ar a que estávamos habituados, e não é completamente clara a forma como cada personagem consegue canalizar os seus poderes com a sua ajuda, ou quais são exatamente os seus limites. Infelizmente, este é só um dos vários aspectos em que O Príncipe Dragão deixa muito por explicar: o início da série, que parecia tão evidente nos trailers, torna-se confuso e caótico, os elementos que se queriam misteriosos são previsíveis, enquanto que os pequenos detalhes que enriquecem a ação nunca são totalmente esclarecidos.
As personagens principais, uma vez apresentadas, são bastante lineares, e não chegam a apresentar o tipo de evolução e complexidade a que Aang e o seu grupo nos acostumaram. Parece que o formato diminuto dos episódios constituiu desta vez uma limitação ao desenvolvimento da série, e os 25 minutos de cada um não chegam para uma exploração mais profunda das motivações de cada personagem ou do seu carácter. Também a proclamada aventura épica deixa muito a desejar: passamos esta 1.ª temporada inteira à espera de um momento fracturante e revelador, ou pelo menos de um conflito relevante e irresolúvel, mas este nunca chega. Tudo é apenas uma introdução à série, um começo inacabado.
O público alvo sente-se mais juvenil do que nunca, com os adultos menos numerosos e influentes na série mas mais como figuras um tanto ou quanto distantes e indiferentes (isto para não dizer que são simplesmente aborrecidas). Os elementos mais “negros”, que introduzem a verdadeira ameaça e mágoa numa história tão luminosa, não chegam a materializar-se numa ameaça concreta, principalmente para uma audiência mais velha.
Apesar de tudo isto, este início não deixa de ser enternecedor e de nos trazer ecos passados: os efeitos cómicos são um elemento forte da série, tomando forma tanto numa encarnação de irmão mais velho de tipo Sokka, como nas travessuras do irmão mais novo, e a banda sonora de uma calma magia é uma homenagem muito clara e muito bem-vinda ao Avatar.
Até o tipo de animação, que ao princípio se estranhou, se não se entranha torna-se pelo menos mais tolerável até nos esquecermos dele, permitindo-nos baixar a guarda para uma história que é, acima de tudo, uma visão agradável e divertida de um novo mundo de fantasia.
Só nos resta, pois, uma última questão: e aqueles que vieram aqui para os dragões, essas majestosas criaturas de poder ancestral, será que vão sair desiludidos? A estes só digo: se o Isca não é suficiente para vocês, esperem pelo final da temporada!