No último episódio de Irmãos de Guerra, há uma cena onde alguns soldados estão reunidos em uma pequena sala assistindo a um filme documental. Ele mostra a batalha de Okinawa que está sendo travada naquele exato momento. Os personagens, que estão acampados na cidade alemã de Berchtesgaden na véspera da rendição nazista, se sentem chocados. Chocados, principalmente, por notarem que ainda há uma guerra sendo travada do outro lado do oceano.
Decerto que a cena cumpre seu propósito. Ela coloca um gosto agridoce na boca do espectador, e, sobretudo, na dos soldados. Eles venceram a guerra, eles invadiram a base da SS na alemanha, sentando em suas casas e tomando vinhos caros. Mesmo assim, depois de tudo isso, a guerra continua. Lá no pacífico, a matança continua.
The Pacific busca narrar tais eventos, sendo uma sucessora espiritual de Irmãos de Guerra, cheia de responsabilidades. A responsabilidade de retratar uma das guerras mais sangrentas da história, de suceder uma das melhores produções da HBO. The Pacific, é, acima de tudo, uma obra com muita bagagem em suas costas. Teria ela conseguindo sair da enorme sombra que tais responsabilidades projetam atrás de si mesma?
Uma abordagem diferente

The Pacific difere de sua série-mãe por trazer um estilo mais sobreo para a trama. Pois, enquanto Irmãos de Guerra focava em uma enorme companhia de paraquedistas ao longo de três anos, The Pacific é contado do ponto de vista de três fuzileiros navais distintos. Enquanto os primeiros seis episódios focam em dois deles, Robert Leckie e John Basilone, os últimos quatro giram em torno de um único personagem chamado Eunege Sledge. Todos são interpretados com maestria por seus respectivos atores, James Badge Dale, Jon Seda, e Joseph Mazzello.
De fato, isso não significa que a trama seja menor em proporção ou grandiosidade. Muito pelo contrário, se qualquer coisa, as diferentes abordagens da trama de cada um desses três personagens constrói um forte senso de uma guerra sendo travada em diferentes frentes. Enquanto Leckie recua com sua divisão para dentro da floresta, Basilone enfrenta um bombardeio pesado defendendo uma trincheira. The Pacific não tem medo de arriscar, de tentar coisas novas, de seguir um caminho totalmente oposto que Irmãos de Guerra. Isso é verdadeiramente admirável e refrescante.
Portanto, se você espera uma série com os mesmos métodos e o mesmo estilo que Irmãos de Guerra, está assistindo a obra errada. Veja The Pacific como sua própria besta, sua própria coisa. Isso fica claro pelo modo que a série usa a violência. The Pacific está muito mais inclinada a mostrar os horrores, o terror e a brutalidade que a guerra causa. Muito disso se deve a natureza violenta da Guerra do Pacífico, onde ocorreram atrocidades em massa contra soldados de ambos os lados, muito por conta do ataque que deu início a guerra, Pearl Harbor.
De Guadalcanal a Pelileu

O orçamento grandioso da minissérie é novamente usado com maestria aqui. Na verdade, as enormes batalhas parecem mais intensas, violentas, e vividas. Campos enormes com uma fotografia que visa abrangir o campo de visão do espectador. Enquanto nossos personagens avançam pela batalha, vemos soldados morrendo, sendo explodidos, atingidos em cheio e gritando por socorro. A fotografia de The Pacific é, de fato, muito superior a Irmãos de Guerra. É um passo natural considerando que nove anos separam uma minissérie da outra.
Ao passo que os fuzileiros avançam pelas sufocantes e densas matas das ilhas do pacífico, mais eles parecem adentrar as próprias almas. Há um tom mais sombrio e carnal para a trama. Os fuzileiros chegavam ao pacífico com a promessa de enfrentar um maligno e perverso inimigo, alimentado pela máquina de propaganda americana que pintava os japoneses como uma subraça decidida a acabar com a liberdade do país e do mundo. Invés disso, conheciam um adversário determinado, feroz, que dava a própria vida pelo seu império e não tinha medo de morrer.
Tudo isso é sentido em personagens como Leckie, que, ao longo da história, perde sua fé em Deus depois de toda a violência que é obrigado a presenciar. Enquanto isso, Basilone se torna um condecorado herói de guerra e retorna para casa apenas para servir como um símbolo comercial insatisfeito. A trilha sonora de Hans Zimmer é um dos altos da série, conseguindo transportar todo esse tom mais sínico e cinzento para suas notas.
O tom mais introspectivo e fechado dos personagens se deve ao fato de que suas contrapartes reais escreveram suas experiências em livros. Estes sendo Leckie e Sledge, portanto, invés de romantizar o que seus personagens sentiam como Irmãos de Guerra faz, The Pacific tem mais material para basear o desenvolvimento dos homens reais por trás deles.
Veredito
No começo desta crítica, questionamos se The Pacific conseguia sair da sombra projetada pelas próprias responsabilidades de suceder Irmãos de Guerra. Bom, ela consegue, e muito. Por mais que a maioria das pessoas digam que The Pacific seja uma obra inferior a sua antecessora, a série apenas segue um caminho oposto. O tom mais seco, violento, e sombrio pode não ser para todos. Mas, novamente, nenhuma guerra é. Irmãos de Guerra tratava de seus temas da mesma forma, porém, lá tinhamos uma certa esperança no fim de cada episódio por estar com uma única companhia ao longo de dez episódios. Em The Pacific, isso é mais previsível e menos confiável. Personagens principais podem ser retirados da minissérie de uma hora para outra, machucados e cicatrizados permanentemente. Não há tantos personagens para amar como antigamente, apenas alguns deles.
É uma coisa boa que The Pacific saiba usá-los para transmitir todo o horror que viveram na Guerra do Pacífico. De Guadalcanal a Pelileu, esses homens foram heróis tendo que viver com o terror criado dentro de si mesmos, e em volta de si mesmos. Esta é uma obra digna de sua atenção tanto quanto Irmãos de Guerra.
The Pacific está disponível no HBO Max.





