Você está na happy hour com seus amigos depois de um dia cansativo de trabalho. De repente, olha para um canto da balada e se depara com uma loira, sozinha, caindo de tanto beber. Caso essa pessoa seja Cassandra “Cassie” Thomas (Carey Mulligan), isso pode significar problema, pois se a sua ideia é ‘ajudar’ a pessoa com um objetivo de se aproveitar do estado vulnerável em que ela se encontra, saiba que, em um determinado momento, ela sairá desse aparente estado e certamente você, homem, sairá dessa situação totalmente arrependido.
A história de Bela Vingança (Promising Young Woman) parece simples assim, mas não se engane, visto que ela se aprofunda e demonstra o que um trauma pode causar a alguém, quando ele não a derruba.
De uma certa maneira, o título em português cria uma expectativa que pode se mostrar equivocada, pois pode levar o espectador a crer que se trata de um filme com uma temática mais voltada para o gore, ao estilo Doce Vingança (2010). O título em inglês mostra muito mais do que se trata a película, pois Promissing Young Woman ( ou Mulher Jovem Promissora, em tradução livre) retrata exatamente até onde um homem pensa que uma mulher bêbada e indefesa é a promessa de um ‘final feliz’ para ele.
Antes de tudo, sem dúvida o ápice do longa é a atuação. Carey Mulligan nos entrega um papel magnífico. Talvez um pouquinho excedente do que a realidade seria, mas, obviamente, estamos falando de um filme, e isso não é o suficiente para tirar qualquer mérito de sua atuação, que é, simplesmente, brilhante. O elenco de apoio está ótimo também, com duas menções: Laverne Cox no papel de Gail, a chefe e amiga de Cassie, cujo humor está sempre estampado em seus comentários; e Bo Burnham, no papel de Ryan, o interesse amoroso da protagonista.
O filme aborda temas muito sensíveis, a começar pela banalidade de se aproveitar de uma mulher que está, aparentemente, em situação vulnerável (leia-se aparentemente, pois basta aparentar para que o aproveitador sinta que a situação está sob o seu controle), e como o incentivo para esta prática é tratado com naturalidade pelos homens. Esse comportamento incentivador denota o quanto é horrível para as mulheres sentirem-se seguras em qualquer ambiente, e o quanto isso não é exagerado.
Outro tema abordado é um conjunto de fatores que podem ser condensados na realidade que o estupro nos mostra. Exemplo: a culpa ser da vítima e nunca do agressor, que muitos interpretam como o benefício da dúvida. A dificuldade que a mulher encontra em ser ouvida e, ao mesmo tempo, que seja acreditada, dentro desse contexto, reforça como a sociedade tem muito a evoluir. Ouve-se muito durante o filme a frase “éramos jovens”, ou ainda “estávamos bêbados”, como se isso fosse um fator que tirasse toda e qualquer responsabilidade do agressor e de quem a presenciou, seja direta ou indiretamente.
Bela Vingança junta esses temas. A melhor amiga de Cassie, Nina, sofreu um estupro por estar muito bêbada, culminando em uma série de acontecimentos que ficam na imaginação do espectador, culminando em sua morte. Não fica claro como se deu a morte de Nina, mas a tese mais aceita nisso tudo é o suicídio. Cassie é tão apegada à Nina que não se contenta com isso. Dentro de seu luto, ela resolve largar a faculdade de medicina — sendo que ela era uma das melhores alunas —, exatamente por não conseguir ficar no mesmo local, na mesma turma, onde tudo aconteceu com sua “irmã”.
Daí em diante, ela toma a decisão de vingar-se dos homens, fingindo estar bêbada e surpreendendo-os quando demonstra que não está. Na verdade, é incrível como é verossímil a “vingança” de Cassie, ao simplesmente demonstrar que não está bêbada, deixando os homens tão vulneráveis quanto a suposta condição anterior em que ela se encontrava, ou seja, é muito relacionável ver e entender que o homem — e aqui não estamos entrando no mérito da violência física machista — é muito mais vulnerável quando posto em xeque. Contudo, após alguns acontecimentos, a vida de Cassie vira de cabeça para baixo, e ela começa a repensar seus atos. No entanto, isso não significa que esse “repensar seus atos” é exatamente parar de fazer.
Agora, cabe uma observação: o filme, que se apresenta como um thriller, com uma veia cômica — acredite, é possível rir de certas situações —, perde força justamente onde ele quer mais se vender: a vingança da mulher contra o machismo controlador e opressor. Não que a mensagem não fique clara. Muito pelo contrário, mas a ideia perde a força, dado potencial que tinha.
Pode ser somente uma estratégia da diretora Emerald Fennell (Killing Eve) e do estúdio, claro, mas fica a sensação de que um grande potencial foi desperdiçado. Não à toa, o longa, que concorreu ao Óscar na categoria de Melhor Filme, acabou não ganhando a tão sonhada estatueta.
Mas o filme acerta em cheio ao colocar como a Mulher é forte, enquanto sua voz é extremamente frágil perto do ainda arcaico mundo machista em que vivemos. Além disso, é interessante observar o quanto o comportamento machista é bem — com o perdão da palavra —, idiota, já que o filme é inteiramente proposto pela perspectiva feminina e possui um final realmente muito reflexivo. Apesar de suas falhas, vale à pena conferir.