Referência, um dos vocábulos que mais agrada o fã de cultura pop, é o que dita a tônica da obra de Willian Blake. É hora de reverenciar The Tyger, obra em que Blake aborda um tema nada novo, porém de um modo simbólico e forte o suficiente para transpassar a barreira dos séculos e das mídias, e assim contar como justamente através de referências pôde atingir a característica mais almejada por uma obra: a imortalidade.
Sir Willian Blake, artista multifacetado e reconhecido como santo pela Igreja Gnóstica Católica, traz em sua obra toda a bagagem adquirida em uma vida contornada pela arte e pelo sagrado. Em contrapartida nasceu no seio do iluminismo um período de grandes mudanças, permitindo-se mesmo a preço de ser considerado transgressor a questionar o sacro e o humano. Foram esses ingredientes usados na concepção de The Tyger.
TIGRE, TIGRE QUE FLAMEJAS
NAS FLORESTAS DA NOITE.
QUE MÃO QUE OLHO IMORTAL
SE ATREVEU A PLASMAR TUA TERRÍVEL SIMETRIA ?
EM QUE LONGÍNQUO ABISMO, EM QUE REMOTOS CÉUS
ARDEU O FOGO DE TEUS OLHOS ?
SOBRE QUE ASAS SE ATREVEU A ASCENDER ?
QUE MÃO TEVE A OUSADIA DE CAPTURÁ-LO ?
QUE ESPADA, QUE ASTÚCIA FOI CAPAZ DE URDIR
AS FIBRAS DO TEU CORAÇÃO ?
E QUANDO TEU CORAÇÃO COMEÇOU A BATER,
QUE MÃO, QUE ESPANTOSOS PÉS
PUDERAM ARRANCAR-TE DA PROFUNDA CAVERNA,
PARA TRAZER-TE AQUI ?
QUE MARTELO TE FORJOU ? QUE CADEIA ?
QUE BIGORNA TE BATEU ? QUE PODEROSA MORDAÇA
PÔDE CONTER TEUS PAVOROSOS TERRORES ?
QUANDO OS ASTROS LANÇARAM OS SEUS DARDOS,
E REGARAM DE LÁGRIMAS OS CÉUS,
SORRIU ELE AO VER SUA CRIAÇÃO ?
QUEM DEU VIDA AO CORDEIRO TAMBÉM TE CRIOU ?
TIGRE, TIGRE, QUE FLAMEJAS
NAS FLORESTAS DA NOITE.
QUE MÃO, QUE OLHO IMORTAL
SE ATREVEU A PLASMAR TUA TERRÍVEL SIMETRIA ?
Porque o mal existe? A cada nova tragédia anunciada nos jornais, a cada infortúnio sabido, as pessoas se questionam qual o motivo. Como um mundo tão belo pode proporcionar ao horrendo acontecer? É no questionamento dessa dualidade que The Tyger constrói sua metáfora: o tigre e o cordeiro, a escuridão da noite e a luz das chamas, os céus e o abismo… Rimas antagônicas no poema criam um desenho fantástico da criação enquanto buscam a resposta para sua essência.
O tigre por sua vez representa tanto o mal, como uma força destrutiva da natureza, quanto a atração que o mesmo exerce na humanidade. Tal qual um poder de sugestão luciferiano, a imagem de um tigre cintilando em uma floresta enquanto a destrói parece tão perigosa quanto bela. Assim o tigre é apresentado, magnifico, para logo após questionarmos a origem da sua terrível simetria, capaz de consumir em chamas o mundo inteiro.
As referências ao poema na cultura pop são várias, por exemplo todo o plot principal da série O Mentalista é desenvolvido em torno de uma seita que usa O Tigre como referência, onde o próprio protagonista representa o cordeiro. Também vemos o poema ser recitado nas series Bates Motel e The end of the fucking world, sempre trazendo um tom lírico para o questionamento que o telespectador faz consigo, ao presenciar a eminência do mal na tela. Porque?
É provável que a resposta ao questionamento de Blake nunca seja encontrada, mesmo que mil teorias sejam criadas. Mas é fato que o tigre continuará caminhando na terra sob o véu da escuridão e, até mesmo, à luz da vista de todos, abatendo os cordeiros e sempre nos lembrando da tragédia de sua terrível simetria. Enquanto vive em antagonismo e complemento ao cordeiro, como eternos lados de uma mesma moeda.