Dirigido por Darren Aronofsky, A Baleia chegou recentemente ao catálogo do Paramount+. Baseado na peça homônima de Samuel D. Hunter, que também assina o roteiro, o longa teve sua estreia no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde foi aplaudido por quase 6 minutos.
No filme, Charlie (Brendan Fraser) é um homem traumatizado que sofre de distúrbios alimentares. Ele dá aulas online, mas sempre deixa a webcam desligada com medo de sua aparência. Mesmo morando sozinho, ele é cuidado por sua amiga e enfermeira, Liz (Hong Chau). Agora em uma situação crítica, ele luta para se reconectar com sua filha, Ellie (Sadie Sink).
O retorno de Brendan Fraser

Esse projeto em específico marca por um importante fator dentro e foras das telas: o retorno triunfante de Brendan Fraser ao cinema. O ator veio a ter notoriedade na indústria a partir de George, O Rei da Floresta, e esse sucesso fez com que o astro em ascensão fosse convidado para estrelar A Múmia, outro projeto de extrema rentabilidade e que fez seu rosto ser ainda mais inconfundível. Contudo, em 2007, a sua vida começou a sofrer algumas mudanças. Após inúmeras cirurgias por sequelas de gravações de filmes, o ator se separou de sua esposa e teve de lidar sem a presença dos filhos.
Nesta época, o ator desapareceu da mídia, voltando apenas em 2016 na série The Affair. Mas seria em apenas 2 anos, que sua carreira seria, até então, afundada. Em entrevista à GQ, Fraser afirmou que sofreu assédio sexual por Philip Berk, ex-presidente da Associação de Imprensa Estrangeira – órgão responsável pelo Globo de Ouro. Após isso, ocorreu a sua exclusão da premiação, bem como de outras produções cinematográficas. Foram tempos de muito abalo para o ator.
E a peça que Aronosfky tinha de traduzir às telas precisava de um ator que captasse as complexidades do protagonista. Foi só após ver o trailer de 12 Horas até o Amanhecer – filme brasileiro em que Fraser aparece, que o cineasta teve a ideia de escalá-lo. Havia ali, uma qualidade assombrada e vulnerável que o diretor considerou perfeita.
Então, após o primeiro encontro dos 2 no escritório do diretor, ele teve a certeza de que esse era o casting perfeito para o seu filme. Dito e feito, no dia 11 de março de 2023, Brendan Fraser levou para casa o seu primeiro Oscar de Melhor Ator.
A Baleia como experiência de desconforto

É difícil dizer que esse é o filme mais intimista da carreira do cineasta, visto que ele só trabalha com personagens desse nível de profundidade. Seus filmes são uma crescente narrativa e aqui não é diferente. Mas ao contrário dos outros, esse não soa tão ambicioso em sua escala de acontecimentos e personagens, justamente por vir dos moldes limitativos do teatro em relação ao cinema. Então, em menos de 2 horas, o filme consegue ter espaço para trabalhar cada um de seus personagens, ainda mais pelo fato de eles aparecerem e sumirem cronometricamente, isso em um único ambiente no qual a história se passa.
Dessa forma, o trabalho de maquiagem é realmente fantástico. As próteses implantadas em Brendan Fraser são de textura absurdamente tangível, visto que sua aparência soa natural desde o primeiro instante. Só que não teria tanto impacto se a pessoa por trás não soubesse o que fazer com tudo isso. Contudo, Fraser prova porque ele é um dos maiores atores de sua geração. Não apenas por ele essencialmente esbanjar simpatia e apreço, mas por compreender as contradições de seu personagem e externalizar através do olhar um sentimento de arrependimento.
E o filme trata o distúrbio de Charlie por várias facetas. Em muitos momentos, quando o vemos se alimentando descontroladamente ou tendo tantas dificuldades para respirar e se movimentar, inevitavelmente sentimos um incômodo pelo aperto dessas situações, que nem é algo que pode ser controlado mais. Porém, não se resume a isso, ele não é uma aberração ou nojento como muitas pessoas o veem. Nesse tempo que o acompanhamos, percebemos como, acima de tudo, ele é humano. Existe essa ambiguidade de trazer um estranhamento à sua imagem e conseguir, ao mesmo tempo, desconstruir essa percepção e acabar com a unidimensionalidade, fazendo dele muito mais do que os olhos enxergam.
Nesse sentido, todas as circunstâncias apresentadas tendem a causar uma atmosfera aflitiva: o problema enfrentado, os dias chuvosos, as mesmas pessoas no mesmo lugar e os conflitos que se tornam cada vez maiores.
Pessimismo carregado de otimismo

É interessante como, em algum momento, todos os personagens vão apresentar um lado rígido. O roteiro mostra certamente o porquê disso, visto que cada um luta sua batalha com um aspecto do passado mal resolvido. Mas o filme não se isenta nem de humor e nem de uma resolução mais otimista. Conforme os temas vão se potencializando, a conexão desses personagens também cresce. Nesse sentido, o filme trabalha muito bem a falta de propósito ou a mínima existência disso.
Charlie passou a ser tão descrente de seu mundo ao redor que simplesmente aceita esperar a morte. E todos à sua volta sabem disso, mas será que existe outra alternativa para ele? Bom, em algum momento isso não tem mais importância. Afinal, antes de ele atingir seu momento de catarse, tem a certeza de que conseguiu atingir seu objetivo que achou nunca conseguir. Então, a escolha mais emocionante da história se mostra: o trecho da resenha que ele tanto queria ouvir tem um significado muito maior por trás, ou seja, um amor que nada pode transcender, nem mesmo a morte. Não é sobre o que acreditamos, mas a atitude que tomamos.
Portanto, A Baleia inevitavelmente impacta, mas visa estender esse impacto em outros elementos. Embora a narrativa seja mais lenta, existe um senso de progressão dos personagens devido as suas verdades que vem à tona. Em meio a tantas atuações extraordinárias e um clima apático estabelecido entre as relações, o desenrolar conduz uma sensibilidade e, consequentemente, a reflexão de que tudo pode ser resolvido com diálogo, não com silêncio.
A Avaliação
Em meio a tantas atuações extraordinárias e um clima apático estabelecido entre as relações, A Baleia conduz uma sensibilidade e, consequentemente, a reflexão de que tudo pode ser resolvido com diálogo, não com silêncio.
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