Com a despedida de Matt Smith no papel do Décimo Primeiro Doutor, se criou um vácuo em Doctor Who. As temporadas anteriores, de certa forma, haviam alimentado essa figura mais jovem e romântica do Doutor.
Por isso, muitos ficaram com pé atrás ao saber que um homem mais velho, como Peter Capaldi, estaria interpretando o próximo Doutor.
Porém, mais uma vez, Steven Moffat surpreendeu o mundo ao entregar uma temporada verdadeiramente decente com um arco de personagem orgânico ao seu novo protagonista.
Um novo, difícil começo

Regeneração sempre foi um tema controverso na série. Desde 2009, com o fim da quarta temporada (e seus especiais), os fãs sempre foram céticos a respeito de um novo ator assumir o papel principal na história. E, embora tenha sido difícil para o Décimo Primeiro Doutor (Matt Smith) manter o ritmo do sucesso mundial de David Tennant, ele conseguiu o amor dos fãs.
Dessa forma, o primeiro episódio da oitava temporada, Deep Breath, só demonstra o quão ousado Moffat se tornou como roteirista. Diferente de Eleventh Hour, primeiro episódio de Smith, onde Moffat apela para os aspectos mais lendários do Doutor para fixar seu novo personagem, Deep Breath é mais um estudo das incertezas da audiência a respeito do próprio Doutor.
Incertezas encarnadas na personagem Clara. Afinal, a mesma acompanhou o Décimo Primeiro Doutor durante a última parte da sétima temporada, se tornando uma das únicas companions a presenciar a regeneração de um Doutor.
Logo após escaparem de Trenzalore, a TARDIS é danificada e acaba por transportar um dinossauro para a Londres vitoriana. Nesse cenário, o Décimo Segundo Doutor precisa recuperar seus sentidos, além de achar seus próprios métodos para desvendar uma conspiração sinistra na cidade.
Enquanto isso, Clara precisa fazer termos com a ideia de que seu velho Doutor se foi, ou será que não?
Um bom homem?

Steven Moffat sabia que os mesmos métodos usados em Eleventh Hour não funcionariam de novo, por isso ele nem tenta. Ao invés disso, cria um Doutor mais agressivo e cheio de questionamentos.
E este é um Doutor cheio deles. Muitos nem mesmo são por parte de Moffat, mas sim da audiência, e o showrunner busca responder e rebater essas dúvidas ao longo dos episódios. Capaldi conseguirá ser um bom Doutor? Mesmo sendo velho e raivoso? Conseguirá Clara construir laços emocionais com ele? O Doutor é uma boa pessoa ou não?
O Décimo Segundo Doutor constrói seu núcleo de personagem em volta de muitas dúvidas. É um cenário interessantíssimo para se explorar após Matt Smith, e cria terreno para uma das melhores temporadas até então.
Conforme a mesma se desenrola, é sinistra a capacidade da história de criar um arco continuo e sinfônico tanto para o Doutor, quanto para Clara.
Seja o confronto da natureza do Doutor em Into The Dalek, ou a paranoia sentimental de Listen, até o conflito humano em Kill The Moon. Além disso, há um núcleo constante para a companion, que passa a lecionar na mesma escola mostrada no começo de The Day of the Doctor.
Clara ganha um interesse amoroso, o ex-soldado e agora professor de matemática Danny Pink. Toda essa construção ajuda a alimentar um mundo vivo e pulsante para a temporada, seja a escola de Clara, as aventuras do Doutor, ou os misteriosos prólogos no fim de alguns episódios, que dão lampejos do final da temporada.
Porém, nada é perfeito. Alguns episódios desta temporada são simplesmente medíocres. Tais como Time Heist, e Into The Forest of Night, enquanto Robot of Sherwood fica no meio-termo.
O desfecho

Por este ser o último Doutor escrito por Steven Moffat, fica clara sua intenção de dar um final satisfatório para alguns dos elementos do protagonista de Doctor Who.
E quando falamos protagonista, falamos do Doutor em sua totalidade: da figura dele e de suas características.
A princípio, essa pegada parece um tanto egoísta. Mas, desde a Era Smith, o showrunner já criava essas histórias loucas, cheias de revelações entrelaçadas com as características mais anciãs do Doutor.
Já nesta temporada, Moffat dá um passo para trás, criando uma história contínua mais sentimental do que louca e ousada. A verdade é que só a abordagem mais cruel e insegura do Décimo Segundo Doutor já estava sendo ousada demais, para a temporada tentar investir em outras coisas.
Em outras palavras, os episódios, as tramas e as histórias são enroupadas pela relação do Doutor com Clara. Com tudo isso culminando no season finale, que não só tenta dar um desfecho para o núcleo de Clara, como também um desfecho para os Cyberman e uma velha amiga do Doutor.
Claro que Moffat não é exatamente sútil em escancarar algumas de suas mensagens, e o resultado é uma joia bruta que, de certa forma, conclui a temporada com sucesso.
Nada disso seria possível sem as sublimes atuações de Peter Capaldi e Jenna Coleman, que conseguem criar laços complexos entre seus dois personagens. Capaldi traz os maneirismos dos Doutores da série clássica, além de um visual que homenageia o Terceiro Doutor.
Veredito
A oitava temporada de Doctor Who é um retorno satisfatório para a era de ouro da série atual. Aqui temos ótimas atuações, episódios incríveis (com algumas exceções), direção ambiciosas e a trilha sonora bem composta de Murray Gold.
Com um Doutor extremamente ousado, energético, mas na medida da incerteza moral de suas ações, ficamos com aquele gostinho de quero mais para as próximas temporadas. Sem dúvidas, essa é uma temporada que começou a Era de seu novo Doutor com muita qualidade.
Você pode assistir às duas novas temporadas de Doctor Who no Globoplay.