Em 2005, Doctor Who retornou ao seu posto de maior série de ficção científica da televisão. Com Rusell T Davies no comando, a obra se tornou um sucesso mundial novamente, conquistando muitos novos fãs.
Mas a BBC, ao lado de Davies, queria produzir uma série spin-off que se passasse durante a cronologia das temporadas da série principal.
Inicialmente chamada Excalibur, a série spin-off de Doctor Who logo ganhou uma forma muito mais palpável do que a BBC esperava. Rusell T. Davies apresentou o conceito dessa série no episódio Tooth and Claw da segunda temporada de Doctor Who.
Após se encontrar com o Doutor neste episódio, a Rainha Elizabeth II decide fundar um instituto secreto para estudar alienígenas e seres das estrelas, para assim, talvez, se proteger do Doutor.
Este instituto se chama Torchwood e definiu o novo rumo que o projeto tomaria: uma série mais adulta, sombria e com temas mais pesados, em geral. Inicialmente sendo transmitida no canal BBC Three, estrelada por John Barrowman, que reprisava seu papel de Jack Harkness, da série principal, Torchwood surpreendeu e ainda surpreende muitos fãs pela forma como se difere de sua série-mãe.
O começo
De antemão, a série propõe uma visão bem mais térrea e contida do mundo de Doctor Who. “O século XXI é onde tudo muda, e você precisa estar pronto.” é uma das frases ditas na introdução bem estilo CSI da série.
Dessa forma, acompanhamos o piloto através dos olhos da novata policial de Cardiff, Gwen Cooper, que fica obcecada com a misteriosa equipe Torchwood que ocasionalmente aparece em cenas do crime de casos que a polícia normalmente não pode resolver. Ao lado de Jack Harkness, ela lentamente descobre uma conspiração sinistra na equipe.
Em primeiro lugar, é preciso elogiar a direção de Brian Kelly, que, ao lado do roteiro de Rusell T Davies, consegue criar uma aura bastante misteriosa e cultuada para a equipe. Claro, o figurino também ajuda nisso. Os membros de Torchwood usam jaquetas de couro, roupas escuras e usam equipamentos sofisticados para suas investigações.
Além disso, a trilha sonora de Murray Gold ajuda a série a ganhar uma identidade única logo em seu primeiro episódio. Contudo, alguns desses elementos não envelheceram tão bem, ficando com aquela aura “anos 2000”: brega e se levando a sério demais. Este é um problema que irá assombrar essa temporada — e bastante.
A equipe
Todavia, essa construção de mundo não seria nada sem bons personagens que compõem a equipe principal. Pois, bem! Torchwood certamente possui bons personagens, com atores talentosos e dedicados nos papéis, o problema é como o roteiro os utiliza na história.
Por exemplo, temos o Capitão Jack Harkness liderando a equipe, um eco distante de Doctor Who para a audiência simpatizar com a proposta da história, assim como Gwen Cooper é a ponte entre o espectador, um self insert, o novato.
Além disso, há o enfermeiro da equipe, Owen Harper, um homem arrogante e difícil de lidar. Toshiko “Tosh” Sato, responsável pelas comunicações e equipamentos do grupo, geralmente tímida e introvertida. E por fim, Ianto Jones, que cuida dos afazeres domésticos da equipe, e é o mais reservado do instituto. Porém, tem seu clímax emocional no episódio Cyberwoman.
Temos boas propostas aqui, lampejos de uma série com muito potencial para carga dramática. Porém, a clara falta de comunicação entre os roteiristas, leva personagens a serem mergulhados e afogados em núcleos que não os levam a lugar algum.
A série abusa do gênero sci-fi para criar becos para seus personagens, que sofrem com discrepâncias em suas personas, ficando difícil para o espectador se relacionar com muitos deles.
O resultado é uma temporada com personagens absurdos e com eventos tão insanos quanto os monstros que enfrentam episódio por episódio.
Os episódios
Nesse ínterim, não se pode negar a ousadia dos roteiristas com os episódios desta temporada. Torchwood abraça uma identidade de ficção científica dark, adulta e pesada, portanto, muitos de seus episódios carregam ideias bem mais mirabolantes e sombrias que Doctor Who normalmente traria.
Isso se aplica aos personagens, que, apesar de falhos em seus núcleos, possuem aspectos mais realistas e desprezíveis que uma pessoa comum normalmente teria.
Jack Harkness é a prova disso. O líder do grupo não age como o Doutor, ele é cruel, impiedoso, e, às vezes, arrogante e hipócrita. Há uma aura de mistério em volta dele, principalmente sobre sua imortalidade, e como ele foi parar na liderança da Torchwood.
A temporada viaja pelos confins de Cardiff, desde ruas sujas, até clubes, bares e armazéns abandonados. Isso ajuda a alimentar esta identidade mais nua e crua da série, além das propostas de alguns de seus episódios.
O episódio que sucede o piloto, Day One, tem uma proposta absurdamente ridícula. Nela, uma espécie de extraterrestre em forma de fumaça, entra nos corpos de pessoas e as faz transar com outras, um alien do “sexo”.
O próximo, Ghost Machine, é no mínimo decente ao juntar elementos do mundo moderno com ficção científica.
Contudo, essa queda e retorno de qualidade se repete pelo resto da temporada. Alguns episódios são fracos, outros são decentes, outros são horríveis, outros são ótimos. Ironicamente, o melhor episódio da temporada, chamado Countrycide, nem mesmo envolve extraterrestres. Daí você sabe haver algo de errado com sua série de ficção científica quando o melhor episódio de sua temporada nem mesmo possui ficção científica, mas brinca com ela.
Veredito
Com um season finale bagunçado, mas deixando um certo cliffhanger, a primeira temporada de Torchwood acaba com um gosto amargo na boca. A montanha-russa de qualidade dos episódios pode incomodar muita gente, até os fãs mais ácidos de Doctor Who.
É uma pena que essa temporada só consiga ser verdadeiramente boa quando está sendo mais humana, dramática e focando nos que vivem na terra, do que daqueles que vivem fora dela.
Você pode assistir aos episódios de Torchwood no BBC iPlayer.