Dirigido por Yorgos Lanthimos, Pobres Criaturas chega aos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira (01). Baseado no romance homônimo de Alasdair Gray, o longa recebeu Classificação 18+ devido ao “conteúdo sexual forte e difundido, nudez gráfica, material perturbador, violência e linguagem”. Integrando isso, a aparência gótica e fantasiosa foi realizada com a ajuda de diversas técnicas de efeitos visuais, que vão desde enormes paredes de LED até pinturas foscas, miniaturas, trabalhos de CGI e composição digital. Consequentemente, a experiência vem se tornar essa espécie de conto de fadas adulto.
Seu lançamento ocorreu no 80º Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde foi ovacionado e ganhou o Leão de Ouro. Além disso, está rendendo muitas indicações na atual temporada de premiações, sendo que já venceu o Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme de Comédia ou Musical e Melhor Atriz em Comédia ou Musical; fora as onze indicações ao Oscar.
Diante disso, o filme, escrito por Tony McNamara (A Favorita, Cruella), é estrelado por um elenco de peso, incluindo a vencedora do Oscar Emma Stone, Willem Dafoe e Mark Ruffalo. Ou seja, incontestavelmente o projeto se mostrou propício ao êxito desde o início.
No filme, o cientista Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe) traz de volta à vida Bella Baxter (Emma Stone). Com anseio de conhecer o mundo, ela foge com o advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) e viaja em uma aventura turbulenta pelos continentes. Agora, ela passa a ter despertares sociais, intelectuais e sexuais, tendo que tomar escolhas importantes em sua nova vida.
O universo estabelecido por Pobres Criaturas

O aspecto visual fisga imediatamente o espectador, antes de qualquer outra coisa. A partir deste prisma de contemplação, existem peças ali postas que estão intrinsecamente contando a história. Percebemos que essas composições não ficam presas num único estágio de beleza sem necessidade, mas estão favorecidas ao senso de deslumbramento da descoberta de Bella. É como se os esbeltos céus coloridos e as arquiteturas monumentais das cidades representassem a liberdade que a mesma começou a desfrutar.
Em vista disso, a progressão de cores é primordial para o desenvolvimento. Num primeiro momento em que Bella é aprisionada e condenada a viver para sempre dessa forma, seu mundo é insensivelmente preto e branco. Entretanto, quando passa a tomar as próprias decisões e provar o lado fabuloso da vida (para o bem e para o mal), tudo ao seu redor passa a ser mais colorido e extremamente estilizado. Isso para chegarmos em certo ponto da história e um personagem apontar a crueldade da natureza e como isso soa realista; e a própria linguagem do filme passando a adotar esse realismo posteriormente. Ou seja, uma epifania da personagem adotada por iluminações naturais em cenários frios e apáticos.
As colorações dos cenários estão em constante oscilação e intencionam os sentimentos vividos. Isso vai desde a melancolia azulada à ingenuidade representada por tons amarelados, até o vermelho utilizado num contexto de intensidade. Algo que também se mostra ilustre é a trilha sonora, que parece falar quando os personagens estão em silêncio, comunicando suas emoções através das melodias.
A emancipação de Bella Baxter

O filme em sua unidade esquisita acaba por trazer uma lógica incorporada nos personagens e atuações. A maquiagem caricata de Willem Dafoe não exime seus tons de amorosidade e experiência. Igualmente da caracterização elegante e confiante de Mark Ruffalo, subvertida, com muito bom humor, em uma figura patética. Só que, o ponto em comum entre esses personagens que vai ditar todas as vertentes criadas é o grande chamariz.
Emma Stone presenteia o público com a melhor atuação de sua carreira. Bella Baxter, apesar de ter o corpo de uma mulher, é um bebê recém-nascido. Logo, Stone acaba por encarnar todas as fases de uma vida. Sua atuação evoca as emoções mais primitivas de uma criança em aprendizado, passando para as rebeldias adolescente e finalizando num grau máximo de amadurecimento. As mudanças de andar e a gradualidade no conhecimento adquirido através do olhar evidenciam como a atriz é inteligente em cena. Ela chegou no ponto alto de sua carreira ao construir essa personagem complexa com tanta maturidade e perfeição. O Oscar de Melhor Atriz seria o mínimo.
Certamente parte desse mérito se deve a como a personagem se mostra escrita no roteiro. Seu crescimento e encanto com o mundo exterior fazem com que esse lado surreal seja impactante tanto para ela quanto para o espectador. Até mesmo as cenas de sexo, que podem soar excessivas, se tornam estritamente necessárias para essa libertação da personagem. Essa jornada de autoconhecimento, em que ela tem o controle da tomada de decisão, resulta em uma personagem sólida e de evolução orgânica. Vale observar como o filme a trata como uma princesa fugindo e conhecendo o mundo, em uma certa altura, até com uma vestimenta com cores semelhantes às da Branca de Neve. Para, então, chegar em seu encerramento com vestes brancas, se tornando uma rainha que o filme fez questão de exaltar.
Portanto, Pobres Criaturas, em seu design de produção minimalista, equilibra entre o fantasioso e o estranho, fascina pelo acabamento bem polido e pretendido. O filme utiliza de todas as suas ferramentas cinematográficas para contar a história, de modo que se você assistir sem som algum, entenderá tudo da mesma forma. Aqui nasce um clássico contemporâneo de temas fortes e evidenciados de maneira original.