Quem nunca ouviu falar dos hippies? A associação com drogas às figuras quase míticas dos EUA é quase imediata: hippies são drogas, paz e amor. Mas a verdade é que por trás dessa fachada estereotipada, há muito mais história no uso de uma droga que transformou uma geração inteira. Em História Social do LSD no Brasil, Júlio Delmanto explora todas as facetas sociais, políticas e medicinais no surgimento e auge do LSD, apresentando os hippies brasileiros, os primeiros traficantes do país e mais uma dezena de protagonistas que mostram a viagem mais louca que você poderia ler.
Depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, muito havia mudado. A geração fora transformada após a série de conflitos. Enquanto alguns se recolhiam ao classicismo sério, a maior parte da população estava disposta a retomar a vida, mesmo que dolorosamente, e isso poderia ser refletido em suas roupas, mídias e falas. Ninguém queria lembrar o que aconteceu.
Vinte anos depois, surgiria uma nova geração — os sixties, como seriam conhecidos — com uma vida muito mais fácil que a de seus pais: sem uma guerra iminente, a maioria estava indo para a faculdade e tinha uma vida próspera. Casar, ter filhos e viver da maneira tradicional não parecia a escolha mais adequada.
E, no meio dos sixties, nascem os beats, a galera que somente queria curtir a vida. A maioria era classe média e alta, de pele branca e inúmeros privilégios. Queriam ser, principalmente, rebeldes, combatendo o tradicionalismo com as novas drogas: a maconha e o LSD. Eis o surgimento da chamada contracultura, um movimento que buscava se libertar das amarras da sociedade e do governo, se expressando artisticamente por hábitos controversos com o uso da arte.
De repente, a nação era jovem
— Historiador Terry H. Anderson
Nascem também os hippies, aqueles que usavam as drogas de uma maneira quase que mediúnica, com o intuito de refletir de maneira mais clara sobre os problemas à luz das drogas. Com o tempo, essa imagem foi deturpada pela mídia, e reduzida ao “grupo que se drogava e se vestia colorido”.
Primeiro, é preciso entender que os hippies foram um respingo de chuva sobre os brasileiros. Esse papo chegou muito atrasado por aqui, e o que restou foi somente a imagem rasa da imprensa americana da época. O LSD chega aqui com uma finalidade medicinal, sendo altamente incentivadas pesquisas acerca do composto.
Contudo, não demora para que os efeitos da droga fossem amplamente conhecidos pela comunidade artística. A Tropicália cumpre com o papel de glamorizar e popularizar o uso do ácido lisérgico. A partir deste momento, o livro de Júlio Delmanto realiza um trabalho espetacular em traçar uma trajetória talvez não tão simples, mas extremamente precisa e necessária para formarmos uma imagem geral da situação.
História Social do LSD no Brasil traz uma visão microscópica da chegada do LSD ao Brasil, demonstrando a importância da droga para a época e os efeitos sobre a opinião pública que ainda recai para os dias atuais.
É com muita sabedoria que Delmanto traz relatos de inúmeros consumidores e condenados da época, aliando às fotografias e documentos jurídicos por escrito. Essa reunião nos permite um olhar multifacetado, onde espiamos as perspectivas do autor, com cuidado o suficiente para nos influenciar com pouca tendenciosidade, utilizando de uma ironia muito bem disfarçada.
A escrita do autor se mostra muito clara, usando de uma linguagem coloquial na maior parte do tempo com jargões que facilitam nosso entendimento. Algumas vezes, palavras pouco comuns surgem, junto de estrangeirismos, mas isso se torna compreensível, já que o livro se trata de uma dissertação de doutorado.
Se o leitor espera organização nesta leitura, se encontrará pouco feliz. Com fluidez, somos apresentados a nomes no primeiro capítulo apenas para reencontramos no final, retomamos tópicos que pareciam acabados. No entanto, é apenas no final que podemos compreender que este é um quebra-cabeça que liga diversas áreas, onde nenhum aspecto deve ser deixado de lado.
É fácil perceber que, não somente a essência do ácido lisérgico foi bem capturada pelo livro através dos relatos, mas também temos a oportunidade de viajar entre as páginas pelas épocas e nos transportarmos pelos Estados Unidos, o Brasil dos anos 70 e muito mais.
Com sucesso, História Social do LSD no Brasil consegue cumprir o que se propõe a fazer, ainda que desvie muitas vezes seu foco do LSD. Podemos sentir o vislumbre do fascínio da droga, o impacto do desconhecido e o temor da opressão confusa. Não aprendemos de maneira sistemática, mas com um volume de informações que sempre repetidas, passam a fazer cada vez mais sentido.
Particularmente, pouco indicaria o livro para um leitor entediado, mas parece a leitura ideal para os curiosos e estudiosos.
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