Na década de 50, as donas de casa estavam mudando o canal das receitas de cozinha para algo muito mais interessante: Uma assassina de idade estranhamente sorridente. A senhora estava sempre de bom humor, flertando com a câmera e contando piadas sobre as mortes que causou.
Era muito mais fácil encarar a mulher de bochechas rosadas que assistir à bela Marilyn Monroe, de curvas acentuadas e com o rosto perfeito. De um jeito muito esquisito, era mais fácil se identificar com Nannie Doss, a vovó sorriso. Nannie era carismática, tinha um corpo que as mulheres teriam um dia, e afinal de contas, ela não tinha errado muito, tinha? Com certeza, a vovó tinha motivos para matar quatro maridos…
Uma menina “muito divertida”

Originalmente chamada Nancy Hazle, a menina nasceu no ano de 1906. Sua família era dona de uma fazenda no condado de Calhoun, Alabama. Nancy tinha pais muito rigorosos e religiosos, e seu pai, em especial, era muito controlador. A garota tinha bochechas rosadas e adoráveis dentes separados, além de também possuir uma proibição de chegar perto de qualquer garoto.
Contudo, tudo mudou aos quinze anos de Nancy. Os Hazzle estavam sofrendo com a pobreza, e sua filha acabara de abandonar a escola para trabalhar o dia inteiro na fazenda. Então, surgiu Charlie Braggs, um pretendente aprovado pelo rígido pai de Nancy. Ao conhecê-la, Braggs pensou que era “uma menina bonita, de boa compleição e muito divertida”.
O primeiro marido: Charlie Braggs
Em primeiro lugar, Charlie não estava enganado. Nancy era mesmo uma menina bonita e muito divertida. Porém, também tinha algumas características que vieram junto e que ele não esperava. A garota tinha um temperamento irritadiço, se zangava e sumia por semanas. Além disso, na maioria das vezes Nancy não estava desacompanhada em seus sumiços. Ela sempre estava com outros homens.
Juntos, os dois tiveram cinco filhos, mas três partiram cedo demais. É nesse momento que Charlie começou a estranhar os acontecimentos. Dois dos bebês haviam morrido por problemas graves estomacais, com a pele escurecendo muito rápido. Mas do que valiam as preocupações de Charlie? Ele era apenas um pai. Não conhecia o mundo da maternidade.
Durante seu casamento, um evento importante aconteceu: o divórcio dos pais de Nancy. A sogra de Braggs havia sido abandonada, e isso só colaborou para que o desprezo de Nancy aumentasse pelo pai. Pela mãe, ela faria qualquer coisa. Anos depois, o amor da assassina pela mãe seria contestado, mas a Vovó Sorriso era clara em suas palavras: Ela adorava a mãe, a amava, e nunca machucaria alguém que amava tanto.
Após oito anos de casamento, o marido de Nancy cansou de persegui-la para que a esposa voltasse para casa. Pediu o divórcio, cuidou da filha mais velha, e mandou a filha mais nova morar com o avô.
O segundo marido: Frank Harrelson
Não demorou muito para que a jovem de Calhoun se casasse novamente. Desta vez foi com Frank Harrelson, de Jacksonville, Alabama. Segundo Nannie, ele era um bêbado cruel e abusivo. Casados por quinze anos, um dia Frank pensou que seria uma boa ideia dizer à esposa:
‘Se você não vier para a cama comigo agora, eu não vou estar aqui na próxima semana.’
Nancy, por outro lado, decidiu dar uma lição nele. E ela deu.
Um dia, ela encontrou o pote de vidro que o marido usava para guardar seu uísque barato. Acrescentou uma dose de arsênio líquido, e Frank nunca mais acordou para a perturbar bêbado.
O terceiro marido: Harley Lanning

Harley Lanning era da Carolina do Norte. Era um namorador de primeira, e bebia muito. Nannie estava fora da cidade quando Harley, seu mais novo marido, deu uma baita festa que atraiu a polícia para a residência do casal.
O garlante Lanning não tinha a mínima ideia de que não era bom irritar a esposa. Em 1952, Nancy (ou Nannie, se preferir) envenenou a comida do terceiro marido. Harley nem pôde dar uma festa para se despedir, já que morreu antes do fim de semana.
O quarto marido: Richard Morton
Até o momento, a vida amorosa de Nannie não estava indo bem. Mesmo que ela recomeçasse um novo romance, tudo sempre parecia a levar para o mesmo resultado: homens mulherengos, bêbados ou controladores, que não a permitiam dar uma escapadela de vez em quando.
Dessa vez, a mulher estava decidida a tomar uma abordagem diferente. Com cinco dólares, se inscreveu no Diamond Circle, um clube de correspondência que reunia pares de pessoas solitárias. Todos os meses, ela recebia uma lista de homens solteiros que poderia entrar em contato.
Foi lá que conheceu Richard Morton, um homem bonito e enigmático de Kansas. Os corações solitários trocaram cartas, e em 21 de janeiro de 1953, Morton enviou um recado ao Diamond Circle:
Por favor, removam nossos nomes da sua lista — sr. R.L. Morton, Emporia, Kansas e sra. Nannie Lanning, Jacksonville, Alabama, pois nos conhecemos e estamos muito felizes casados. Ela é uma mulher doce e maravilhosa. Eu não a teria conhecido se não fosse pelo seu clube.
Parecia que tudo estava dando certo agora. Morton e a viúva de Lanning estavam super apaixonados. Ele era o Sr. Perfeito que ela tanto buscava. Que início mais romântico de iniciar uma vida juntos poderia haver do que a troca de cartas? O par perfeito havia se encontrado.
Exceto que… Às vezes Richard sumia durante o dia. Ele trabalhava em um salão de bilhar à noite, e quando o sol raiava, se vestia o melhor possível para seus negócios misteriosos. Nannie começou a ficar desconfiada. Se o marido estava tão maravilhado com a nova esposa, qual era o motivo de sempre escapar de casa?
Então, Morton viajou para a Carolina do Norte, e comprou um conjunto de anéis. Isso a levou a uma conclusão nada agradável: Ele estava traindo Nannie.
Se ele podia viajar, Nannie também podia. Ela também foi à Carolina do Norte, e voltou com uma garrafa de veneno líquido na mala. Logo, serviu um delicioso café repleto de veneno para o suposto traidor, e pelo resultado sabemos que Richard tomou o café com muita vontade.
Sam Doss, o quinto marido abençoado

Mesmo que Nannie reclamasse dos ex-maridos beberrões, a verdade é que lá no fundo, ela ainda era a garota da fazenda que desafiava as ordens do pai, e vivia a emoção pura de encontrar meninos às escondidas.
É por esse motivo que seu quinto casamento com Sam Doss não estava funcionando para ela. Tudo era muito tranquilo, chato, tedioso. Não havia emoção nesse relacionamento.
Sam Doss era de Tulsa, pastor da Igreja Batista do Livre-Arbítrio, e reparador de estradas. E, aos olhos de Nannie, um verdadeiro chato. Nunca deixava a esposa dançar ou comprar uma TV.
Determinada a finalizar mais um relacionamento, Nannie resolveu servir uma enorme tigela de ameixas secas cozidas (um prato popular na década de 50) com uma boa quantia de veneno. Doss foi parar no hospital por 23 dias, mas não morreu.
Na segunda tentativa de matá-lo, a assassina replicou uma de suas receitas fatais que já haviam funcionado: o café com veneno de rato que acabou com Richard Morton. Claro, dessa vez, deu certo. Sam Doss estava morto.
A única questão é que… o médico não queria assinar o atestado de óbito sem uma autópsia. Sem problemas, Nannie concordou. Ela disse que era muito importante que descobrissem o motivo da morte do marido pois “poderia matar outra pessoa”.
Em um laboratório de Oklahoma City, o patologista disse que o veneno no corpo do falecido era o suficiente para matar dezoito pastores. Sem dúvidas, Sam Doss era abençoado a ponto de ter uma alta tolerância ao arsênico, mas não o bastante para não cruzar o caminho de Nannie.
Risadas no interrogatório

Em 26 de novembro de 1954, Nannie Doss foi levada à delegacia por ser suspeita de ter matado o quinto marido. Para dizer a verdade, os policiais estavam impressionados em como a vovó rechonchuda tinha um jeito alegre. O detetive Harry Stege disse que a Sra. Doss falava muito, mas não sobre o caso.
Depois de 24 horas de interrogatório, Nannie admitiu que havia matado Sam Doss com veneno de rato. E, por uma semana de interrogatório, Nannie ria na delegacia sobre todas as denúncias que chegavam.
Agora que ela havia aberto a boca, estava decidida a confessar todos os assassinatos cometidos. Ela foi casada cinco vezes, e matou quatro maridos. Mas, quando insinuaram a possibilidade de ela ser a responsável pela morte de seus parentes, Nannie vociferou:
Você pode cavar todos os túmulos do país que não encontrará mais nada relacionado a mim.
Uma fachada alegre
Seja lá o que Nannie tenha cometido, ela pode se safar, não é? A senhora é bem-humorada, alegre e muito divertida. Se ela matou os maridos é porque eles eram mentirosos, conservadores demais e uns hipócritas que mereciam o que lhes aconteceu.
Mas, parece que nem tudo era como Nannie contava. A polícia teorizava que o quarto marido, Richard Morton, não estava a traindo. O conjunto de anéis podia ser para a própria esposa, e ele podia ter os penhorado para voltar o mais rápido possível para a Carolina do Norte encontrá-la.
E, a festa que o terceiro marido Lanning tinha feito? Por uma ironia do destino, a filha de Nannie e Braggs, seu primeiro marido, se casou com o sobrinho de Lanning. Parece que a festa interrompida pela polícia era só uma reunião de família.
‘O que aconteceu foi que a polícia soube que havia estranhos na casa e foi até lá para ver quem era’, afirmou Charlie Braggs.
Já o irmão de Sam Doss apareceu em cena, e disse que Nannie não era uma mulher simples e alegre como todos achavam. Aquela imagem era uma fachada que da ex-cunhada, que lembrava usar roupas escandalosas e fumar de maneira deliberada.
Um espetáculo

Não importa se agora uma dezena de pessoas se apresentava para contar suas versões de Nannie. Ela estava curtindo a fama, e fazendo um verdadeiro espetáculo. Inclusive, manchetes sensacionalistas não paravam de aparecer:
‘Vovó amada e tranquila fala sobre o envenenamento de quatro dos cinco cônjuges’ ‘Vovó de Tulsa encantou e envenenou’
Em plenos 1954, Nannie era a maior atração que as donas de casa podiam se relacionar. De um jeito ácido, ela era a paródia das donas de casa. Uma mulher que tinha como obsessões a culinária e o casamento. Sua aparência era dócil, utilizando um colar de pérolas e um óculos gatinho.
A feminilidade que Nannie apresentava ao mundo era inédita. Sim, ela estava tão obcecada em encontrar o amor quanto era suposto que uma mulher encontrasse. Mas, toda vez que as coisas saíam do trilho, sua decisão era matar o amado. Era um lado feminino obscuro, atraente e mais acessível do que os estereótipos das estrelas de Hollywood.
Rastejando pelas mentiras
Os advogados da acusada imploraram para que ela não tagarelasse mais para a polícia. Corpos estavam sendo desenterrados, e as acusações de homicídio se acumulavam sobre Nannie como pilhas de cartas de corações solitários.
No meio das mortes já admitidas, surgia uma revelação: o corpo da mãe de Nannie estava cheio de arsênico. A mãe que ela adorava, amava e nunca faria nada contra. Por que Nannie não conseguia admitir que matara a própria mãe? Ela nunca titubeou sobre narrar os detalhes das mortes de seus amados, mas era incapaz de assumir esse envenenamento.
Para si mesma, Nannie disse que matou aqueles que mereciam. Homens que não valorizaram seu amor, sua personalidade e esforço incríveis. Matar familiares inocentes não estava incluso em sua narrativa.
‘Eu ficaria de joelhos e sairia rastejando pela minha mãe’

O paraíso do manicômio
Na audiência preliminar de 15 de dezembro, o juiz mandou Nannie ao manicômio para determinar sua sanidade. Ela adorou. Se arrumava sempre que a equipe de psiquiatras vinha examiná-la. Nannie tinha dores do acidente que sofreu com 7 anos de idade, onde bateu a cabeça contra a barra de metal no trem. Depois disso, ela sempre sentiu que estava “pensando torto”. Mas, fora as dores e o “pensar torto”, a vovó era quase perfeita.
No dia 14 de março, Nannie Doss foi declarada mentalmente anormal. Mas, a promotoria insistiu para que ela não retornasse ao manicômio, e invés disso, fosse julgada por assassinato. Confinada na prisão, a criminosa estava longe de seu paraíso do manicômio, e infeliz:
‘Não é possível ver pessoas, e eu gosto de pessoas’
Ainda assim, por trás das grades, a Vovó Sorriso ainda usou de seus dotes, e conquistou corações. Recebeu até uma proposta de casamento por carta de um pretendente idoso. Infelizmente, sua cota de maridos já estava cheia.
Um dos especialistas da promotoria disse que ela era uma “uma mulher sagaz, calculista, que fingia insanidade para escapar da cadeira elétrica […] A criminosa mais inteligente que eu já entrevistei”. Três dias depois, o júri a declarou mentalmente capaz.
Oficialmente malvada
No dia 17 de maio, Nannie se declarou culpada. Todos foram pegos de surpresa, afinal, o julgamento oficial estava marcado para junho. Talvez ela tenha pensado que, de algum jeito, iria retornar ao manicômio onde era uma figura popular. Agora, declarada como sã e culpada, ela era uma assassina.
Presa no dia 4 de junho, a Vovó Sorriso desapareceu dos noticiários. Um dia, uma repórter decidiu entrevistá-la. As novidades eram: as dores de cabeça pioraram, mas a prisão estava sendo divertida.
A Vovó assistia filmes, participava de danças com as prisioneiras, e em maio de 1957 soltou mais uma de suas piadas:
‘Quando elas ficam atarefadas na cozinha, eu sempre me ofereço para ajudar, mas nunca me deixam trabalhar lá’
No entanto, dois anos depois, Nannie contou a um jornalista, que estava cansada de viver. Mas, só foi dez anos depois de sua sentença, que Nannie Doss morreu de leucemia.
Louca, hilária, amorosa e muito esperta
Sem dúvidas, a Vovó Sorriso pode ser descrita com ampla gama de adjetivos. Uma Serial Killer que amava os homens loucamente, que ria dos assassinatos que cometia, mas é preciso admitir: Nannie Doss sabia usar as cartas que tinha.
Por anos, foi uma mulher que replicou o que se era esperado dela a seu favor. Vinda de uma fazenda de cristãos, fingiu ser uma garota inocente e devota à religião. Depois, usou de suas habilidades na cozinha para conquistar homens pelo estômago.
Depois de ter sido pega, usou sua fama para se sair bem com as acusações. Flertando com médicos, promotores, repórteres, e a plateia que a acompanhava, Nannie era imparável. Sete anos depois de sua condenação, ainda teve a coragem de fingir um ataque cardíaco na tentativa de sair da prisão.
Em seus últimos dias, reescreveu sua narrativa como uma senhora solitária enganada pela polícia, sem ter noção da gravidade de suas ações.
Ninguém sabe o que essa Serial Killer realmente queria. Fama? Amor? Admiração? Seja o que for, Nannie Doss usou tudo que tinha para conseguir o que queria, com seu sorriso amável e quase inofensivo.
Fontes: Lady Killers: assassinas em série/ Tori Telfer, Canal Ciências Criminais, History By Day