Do aclamado diretor vencedor do Oscar, Damien Chazelle, Babilônia chega aos cinemas nesta quinta-feira (19). O longa foi anunciado em julho de 2019 como o próximo grande projeto do cineasta, sendo uma comédia dramática ambientada na Era de Ouro de Hollywood, abordando diversas questões, como, por exemplo, a transição do cinema mudo para o falado; o que, por si só, é um tema que os amantes de cinema vão adorar.
Após adiamentos nas filmagens devido à pandemia e conflitos de agenda que geraram trocas no elenco, o filme finalmente se consolidou. Assim, foi impossível não ficar curioso com uma produção do mesmo diretor de Whiplash e La La Land, que teria como as principais estrelas: Margot Robbie, Brad Pitt e Tobey Maguire (que, por sinal, também assina como produtor executivo). E, claro, com o talentosíssimo Justin Hurwitz de volta na trilha sonora.
Esse certamente é um dos filmes mais ambiciosos não só do roteirista e diretor, mas do ano. Mas, será que o filme, em seus 189 minutos, com nomes tão afiados envolvidos, cumpre com o que promete? Temos exemplos recentes que mostram que bons nomes não necessariamente formam um filme bom.
No filme, situado no final da década de 1920, Hollywood passa por um período de mudanças. Nellie LaRoy (Margot Robbie), ascende em sua carreira de atriz, enquanto Manny Torres (Diego Calva) ainda luta para chegar onde quer dentro desta indústria. Nesse sentido, o passar do tempo e a expansão do cinema acabam deixando suas marcas em todos que o vivenciam de perto, sejam positivas ou negativas.
E já devemos adiantar: este filme é uma amálgama de O Lobo de Wall Street com Era uma Vez em… Hollywood.
Muitas histórias em Babilônia

As três horas de duração com certeza serão o grande divisor de águas, afinal, esse é um filme com vários núcleos e personagens. O nome ”Babilônia” engloba justamente essa ideia de algo desordenado e caótico, definindo perfeitamente esse contexto. E apesar de esses personagens, que iremos acompanhar, se encontrem poucas vezes durante o filme, a progressão individual deles é admirável. Mas isso pode gerar a questão: tudo isso é realmente necessário? Pois bem, sim!
Os personagens principais possuem complexidades gradualmente trabalhadas. Margot Robbie é um espetáculo como sempre, somente ela poderia trazer esse vigor e entrega. Nellie LaRoy é aquela personagem com atitudes questionáveis, que vive cada dia com intensidade nos olhos, assim, Robbie a incorpora com muita potência corporal e dramática; trazendo também aquela apimentada que o filme exige. Inclusive, esse é um filme pervertido em muitos sentidos, não só pela veemência em cores isoladas, mas para muitos detalhes que é necessário ter estômago para assistir.
Enquanto isso, Jack Conrad é interpretado por um cômico e geralmente carismático Brad Pitt, que jamais deixa de emocionar quando o personagem passa por momentos extremamente delicados. Já Diego Calva, faz uma ótima estreia como Manny Torres, sendo bastante convincente com seu olhar e os momentos contemplativos em que o personagem está pensando, aliás, sua última cena é emocionalmente muito poderosa.
Nesse sentido, a direção de Chazelle segue com filmagens arrojadas e fluidas, complementadas por uma trilha festiva, empolgante e arrepiante, de Justin Hurwitz, que além de trazer uma rápida memória de La La Land, gera um dos momentos mais catárticos do filme.
Babilônia e o ato de fazer filmes

Se em La La Land havia um olhar mais doce e romântico de Los Angeles, aqui temos um retrato menos fantasioso, mas de sua forma, honroso. Com aspectos semelhantes à Era uma vez… em Hollywood, principalmente nesse passeio pelos bastidores da indústria cinematográfica, este é mais um dos grandes filmes que falam sobre fazer filmes. Inclusive, a direção de figurantes é notável, devido a como todos estão bem posicionados dentro desse ritmo alucinante.
É muito interessante como a história retrata todas as circunstâncias de um filme feito nessa época. Pois, dentro disso, há espaço para abordar coisas que, apesar de trágicas, soam cômicas. Vemos um lado mais dificultoso da realização de um filme, desde às divergências criativas, ao desgaste de fazer várias tomadas de uma mesma cena, até chegar em um ponto em que, pessoas literalmente morriam devido às condições e falta de segurança.
Dessa forma, este é o primeiro filme que o diretor expande uma história íntima para algo mais caótico e maior em escala. Em muitas cenas, existem diversas coisas acontecendo em simultâneo (às vezes, até como um elemento de fundo). Mesmo assim, ele consegue intercalar os acontecimentos de maneira que eles pareçam presos a uma unidade, pois todos têm o mesmo propósito temático. E, após todas as transformações que Hollywood sofre, Chazelle propõe uma espécie de epílogo, do qual, chega a uma sala de cinema onde praticamente enxergamos a nós mesmos. Nesse momento, o filme mostra que tudo o que acompanhamos, para o bem, para o mal, para o feio, levou ao inexplicável sentimento de amor ao assistir a um filme.
O mais podre da beleza hollywoodiana

Babilônia é um retrato cru, nojento e verdadeiro da indústria hollywoodiana. Se por um lado, temos um desfecho que passeia pela trajetória do cinema, mostrando como essa arte evoluiu com o passar do tempo e sempre experimentou o inimaginável, tudo o que levou até isso é o outro lado da moeda que o filme abraça; aliás, essa montagem final é sensacional e arrepiante, pois mostra muito daquilo que teve impacto na história da Sétima Arte, e como isso vai perdurar. O contraponto da introdução com aquela festa fenomenal, cheia de obscenidades, músicas e curtição, engloba a decadência individual de cada personagem, sendo um dos grandes pontos positivos do filme.
Cada personagem sofre as pressões do meio impiedoso que está inserido, muitas vezes pelos próprios vícios e excessos. A energia que tanto os contagiava no que seria o auge de suas vidas, é gradativamente consumida por como o tempo passa a os enxergar. Isso vai desde os absurdos para agradar à massa, às máscaras que devem ser mantidas ao racismo escancarado. Então, Chazelle decide abordar tanto um lado melancólico para a conclusão de seus personagens, quanto algo mais perturbador. Há uma passagem extremamente surpreendente, sombria e suja, da qual, mostra como esse diretor precisa urgentemente se aventurar no terror. O fechamento é tenso, mas inevitável.
Portanto, Babilônia, em sua celebração ao cinema, destrincha o mais feio daquilo que chega às pessoas. Determinadas escolhas visuais soam propositalmente pomposas e fabulosas, mas estão atreladas à algo extenso e válido para discussão. Temos aqui um excelente filme que passeia pela indústria do cinema, de maneira ousada, crítica e inesquecível.