Júlia Terra está sempre dando passos para longe e perto de seus pais. Em uma casa onde o silêncio é o maior perigo, a menina procura entender melhor como sua mãe e pai pensam. Com o tempo, Júlia cresce e descobre suas paixões, mas não consegue deixar de olhar para trás e lembrar da Pequena Coreografia do Adeus que performou enquanto crescia.
É ótimo ler livros narrados por crianças. Tudo se torna muito mais claro, mais cru, pois você está vendo todos os acontecimentos de maneira sincera. Quando você conhece Júlia, tudo que você quer fazer é abraçá-la, principalmente por ela pensar tão pequeno de si. Essa pequena protagonista é sempre sonhadora e honesta, mesmo que isso a prejudique algumas vezes.
Por Júlia observar as coisas de maneira tão fria, sem muita enrolação, é ainda mais doloroso ler os momentos em que ela fala de sua família. Sentimos medo, dor, e os sentimentos de culpa que ela carrega por desejar ficar longe da sua família quando os dias são mais difíceis.
Conforme a história avança, o leitor consegue observar as cicatrizes causadas por um círculo familiar negligente e agressivo em seu desenvolvimento. Júlia tem momentos de agressividade, além de mostrar a baixa autoestima que passou a ter. Porém, com toda certeza, o que mais dói é saber que ela está consciente de como as pessoas a tratam e como os adultos descontam suas frustrações nela. Aliás, quando vemos suas anotações anos depois, é perceptível como a garota ainda carrega traumas de maneira inconsciente.
Por ser um livro de poesia, as frases sempre ficam partidas ao meio, contribuindo para que você sinta a história com mais intensidade. As técnicas para retratar determinados sentimentos são criativas, utilizando de elementos gráficos para que a narrativa seja mais dinâmica, e até interativa. Esses detalhes fazem com que o leitor se sinta mais imerso e entenda mais os eventos da vida de Júlia.
Indo além de só alguns rabiscos nas páginas, Aline Bei utiliza também de outras estratégias no decorrer do livro, mostrando diversidade na escrita. Com poucos diálogos, é complicado entender como a menina interage com outras pessoas, mas a obra também conta com algumas passagens que nos ajudam a visualizar melhor o cenário. A linguagem é quase sempre simples com passagens do cotidiano, mas sempre com uma sensibilidade lancinante.
Pequena Coreografia do Adeus é composto por três partes, onde a personagem principal nos permite adentrar em sua infância, adolescência e vida adulta. Nem todas as histórias precisam de um roteiro complexo, e poucas palavras nos cativam se forem colocadas no lugar certo. É com destreza de mestre que Aline Bei conduz seus leitores a uma narrativa sufocante, mas, sem dúvidas, intensa e que nos conquista pela fragilidade dos relacionamentos. A obra mostra a crueza e realismo que há na realidade, e como somos controversos com as pessoas que amamos.
Com Júlia, dançamos em meio a dor, com passos desorientados, mas na esperança de que um dia melhor virá. Através de suas palavras, sentimos a força dos episódios que fazem de nós quem somos. Pequena Coreografia do Adeus é um achado precioso, cheio de força e vulnerabilidade em cada letra, é poesia em uma biografia comum.
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