Quem não se apaixonou pela nova série brasileira da Netflix? Criada por Carlos Saldanha, a obra reinventa personagens tradicionais do nosso folclore para o mundo moderno. O detetive Eric (Marco Pigossi) investiga um assassinato que o leva a conhecer mais sobre as criaturas míticas que estão entre nós.
Desde a nossa infância, crescemos ouvindo as histórias do folclore brasileiro, mas acabamos esquecendo das nossas lendas… Ainda bem que a produção de Cidade Invisível resolveu refrescar nossa memória, mas mesmo assim não custa nada conhecer mais sobre os mitos folclóricos, né?
Iara
No tupi, Iara significa “senhora das águas”
A criatura tem como principais características a sedução hipnotizante, a inteligência e uma voz encantadora. É dito que encanta homens e os afoga, atraindo-os para as águas, e aqueles que retornam das águas não voltam a ser os mesmos, entrando em um estado de transe que só pode ser quebrado por um pajé.
A versão mais popular conta que Iara era uma jovem com feições indígenas, de olhos castanhos e cabelos pretos, e era filha do pajé de sua aldeia. Iara era uma moça muito forte, uma guerreira melhor que seus irmãos e recebia muitos elogios de seu pai, despertando uma grande inveja ao seu redor.
Uma noite, cheios de ódio, seus irmãos tentaram assassiná-la enquanto dormia, mas Iara conseguiu se defender, e acabou por matar todos eles.
A jovem guerreira fugiu para a mata com medo do pai, mas o pajé a encontrou e a jogou no encontro das águas dos rios Negro e Solimões. Com pena da jovem, os peixes a acolheram e ela foi transformada em uma sereia em uma noite de Lua cheia.
Hoje, a figura de Iara é muitas vezes associada à figura de Iemanjá, a rainha das águas, das religiões africanas. O seu nome também pode ser ouvido junto com Ipupiara, outra figura da mitologia indígena.
Mas a Iara que hoje conhecemos talvez não seja a mesma de séculos atrás: a criatura mitológica nem cauda de peixe possuía!
Acontece que para muitos estudiosos, a senhora das águas está mais ligada às sereias da Europa, que tinham como características a voz e encanto, mas não eram metade mulher e metade peixe, versão que conhecemos atualmente.
Nos dias atuais, o mito de Iara já foi representado em vários livros, filmes e séries, e suas características foram mudando as poucos, sendo retratada até mesmo como uma mulher de longos cabelos verdes.
Saci-Pererê
A lenda do Saci tem origem na região Sul do nosso país, e possui elementos da cultura africana e indígena em sua história. O Saci é uma figura mítica que protege as florestas e é comumente representado como um menino negro de uma perna só, que usa um gorro vermelho, fuma cachimbos e desaparece em um redemoinho. Também pode ser representado como um anão.
Agitado e travesso, gosta de pregar peças e bagunçar por onde vai. Trança as crinas dos cavalos, queima comidas, troca o sal pelo açúcar, desaparece com objetos e apaga luzes.
Como guardião das matas, muitas vezes atrapalha aqueles que coletam ervas e plantas medicinais raras sem permissão.
Sua origem é muito incerta, em algumas lendas ligada à ave Matinta-Perera e em outras diz-se que Saci nasceu de um broto de bambu. Saci vive até seus 77 anos, e depois se transforma no cogumelo popularmente conhecido como “orelha-de-pau”.
Cuca
Bruxa conhecida por raptar crianças desobedientes. Apesar de ter sido popularizada como um jacaré na obra Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, também pode ser reconhecida como uma borboleta, coruja, aranha ou cobra. Há suposições de que a ideia da Cuca nasceu na Península Ibérica, originalmente com o nome ‘Coca’, uma criatura horrenda e malvada, tida como um dragão que ficava nos telhados das casas esperando a oportunidade certa para sequestrar crianças.
Vai-te, Coca, sai daqui
para cima do telhado;
deixa dormir o menino
o seu sono sossegado.
Em algumas histórias, é dito que a Cuca somente dorme uma vez a cada 7 anos, por isso muitos pais costumam dizer para as crianças dormirem, caso contrário, a Cuca os pegará. No Brasil, a história chegou por meio da colonização, e canções de ninar também foram criadas a seu respeito:
Nana, neném
Que a Cuca vai pegar
Papai foi na roça
Mamãe foi passear
Também é crença de que Cuca é uma espécie de Papão, um ser que aterroriza crianças.
Curupira
Cabelos de fogo, pés ao contrário… Quem não sabe quem ele é? O Curupira é popular no Brasil inteiro, mas é bem mais conhecido na região Norte do país. Em alguns estados, ele pode ter um corpo cabeludo, ter dentes verdes ou ser um anão, mas seus cabelos e pés são sua marca conhecida.
Famoso por ser o protetor da floresta, Curupira despertava muito medo nos indígenas pois matava qualquer um que ousasse derrubar árvores ou caçar animais que fossem para lucro próprio. Para evitar qualquer incidente, era bom entrar na floresta sempre com presentes, fumo e cachaça, e oferecer para a criatura.
A lenda diz que Curupira costuma atormentar caçadores com seu assovio estridente, e que usa seus pés ao contrário para confundir aqueles que o procuram.
A crença da existência do protetor da floresta é antiga e há registros ainda no ano de 1560, quando o padre José de Anchieta o mencionou em carta, quando estava no litoral de São Paulo.
É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos demônios e que os brasis [indígenas que habitavam o Brasil] chamam corupira, que acometem aos índios muitas vezes no mato, dão-lhe açoites, machucam-nos e matam-nos. São testemunhas disto os nossos irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles.
Outros padres da época também escreveram sobre o mito, ajudando a difundir sua presença no Brasil. Alguns estudiosos afirmam que o conto surgiu entre os índios nauas, do Acre, que contaram a história para os caraíbas, até chegar nos tupi-guarani. O Curupira também parece ter ligação com outros seres míticos, como a brasileira Caipora e o peruano Chullachaki.
Boto cor-de-rosa
Originária da região Norte do país, a lenda diz que nas noites de Lua cheia o boto se transforma em um homem elegante e bonito, que seduz a jovem virgem mais bonita da festa, a engravida e abandona. Vestido de branco, usa um chapéu da mesma cor para esconder o buraco na cabeça pelo qual respira quando está em sua forma primitiva. Depois de engravidar a moça, o homem volta a ser boto na manhã seguinte. É comum também dizer que o boto enfeitiça algumas jovens, que passam a se comportar de maneira estranha.
Uma das crenças amazônicas mais comuns é a de que as moças que estão em seu ciclo menstrual devem se manter longe do rio, para evitar atrair o boto.
Hoje, dizem que o mito do boto era na verdade uma maneira de encobrir gravidezes indesejadas, assim como estupros que aconteciam dentro das próprias famílias em cidades do interior.
Tutu Marambá
Pouco popular, muitos telespectadores não souberam identificar quem era o personagem em Cidade Invisível. Tutu Marambá vem da família dos Papões, e muitas vezes é dito como o irmão do Bicho-Papão e o Boi da Cara Preta. Geralmente seu nome é ouvido em cantigas de ninar:
Dorme menina
Que eu tenho o que fazer
Lavar e engomar
A roupinha pra você
Desce Tutu
De cima do telhado
Vem ver se essa menina
Dorme um sono sossegado
Corpo-seco
É alguém que foi tão ruim que nem o céu nem o inferno o aceitaram após sua morte. Suas maldades foram tão grandes que a Terra também não o aguentou por muito tempo, e o expulsou do solo. Como uma espécie de zumbi, o corpo está em estado de decomposição, e assim, tem a aparência ressecada que o nomeia. Mas seus cabelos e unhas não param de crescer nunca, o que fez ser conhecido em alguns lugares como Unhudo.
Amaldiçoado, só restou aterrorizar aqueles que ainda andam pelas estradas. Grudado em uma árvore, o Corpo-seco agarra os andarilhos das madrugadas e de modo vampiresco, suga o sangue até deixar os corpos secos.
Uma versão da história conta que Corpo-seco foi um homem que era tão malvado que batia em sua própria mãe, além de cometer maldades com outros. Outra versão diz que era um homem rico que costumava matar pessoas para conseguir suas casas.
Também é dito que o Corpo-seco é uma espécie de criatura, que pode existir em mais de um local ao mesmo tempo, assim existindo vários Corpos-secos.
A lenda tem origem europeia, e é provável que tenha sido trazida pelos portugueses, é muito conhecida nas regiões Sul e Sudeste. Costuma ser contada para as crianças, para evitarem de andarem sozinhas nas ruas.
Na série, Corpo-seco virou uma entidade que rouba corpos, ou seja, não possui a aparência característica original.
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E aí, tem alguém que você não conhecia ainda?
Referências: Toda Matéria, Brasil Escola