É inevitável que distopias em obras fictícias sempre espelhem o mundo real, principalmente com obras americanas que nunca perdem oportunidades de criticar o típico sonho americano que acaba por se mostrar uma mentira de um mundo distante. Frank Miller é um dos maiores nomes dos quadrinhos, você obviamente o conhece de obras como Batman: O Cavaleiro das Trevas, ou Demolidor: O Homem Sem Medo, sendo respectivamente clássicos de cada personagem, ao lado de Dave Gibbons ambos criaram Martha Washington em 1990.
Ganhando um prêmio de melhor minissérie em 1991, os quadrinhos da personagem foram muito aclamados por suas várias críticas não só á América, como também a guerra, sociedades, poder e existencialismo. Lançada pela Devir, acompanhe nossa resenha do volume único que reúne todas as histórias da obra.
O contraste óbvio do nome da protagonista Martha Washington com a mulher de George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos, pode ser considerado um tanto irônico, pois Martha é a personificação do patriotismo americano em um mundo distorcido que acaba por experimentar todo o horror que ele pode trazer e se voltar contra ele. Nascida em 1995 em um conjunto habitacional criado pelo Presidente Rexall, um homem constantemente reeleito que conseguiu envolver os Estados Unidos em várias guerras ao redor do mundo. Chamado de Jardim, o conjunto deveria ser uma divisão da população mais pobre em Chicago, mas acaba por ser mais uma prisão. Crescendo nesse ambiente opressor e presenciando mortes e violência constante, Martha mostra uma determinação absurda e inteligência, e mais tarde se alista na P.A.X., um exército especial americano que busca estabelecer ordem em nações e países caóticos.
Apesar de no começo ter fé na América em que cresceu, e que seguindo ordens e vencendo batalhas a coisas poderiam ser melhores, Martha presencia genocídios, corrupção, limpezas étnicas, e o total sadismo que envolve a sua nação atrás dos panos além do ambiente urbano já conturbado em que ela viveu. Na obra é muito presente o controle e arrogância dos Estados Unidos, que constantemente invadem outras nações e iniciam guerras para espalhar seu poder, sua fragilidade política e sua violência militar que coexistem e acabam por inspirar Martha a lutar contra esse sistema opressor enquanto o leitor torce para que ela destrua e desestabilize as entranhas corruptas do governo. Sátiras chocantemente realistas ao nosso mundo, como o genocídio de raças, empresas corporativas malignas, sadismo e lavagem cerebral, estão bem presentes aqui e podem chocar o leitor caso ele não esteja acostumado com esse estilo de história.
A arte de Dave Gibbons está impecável no volume, já que com todas as páginas em alta qualidade o leitor pode aproveitar ao máximo o seu talento. O quadrinho inteiro é muito intenso, um ‘show’ de cores e variedades que constantemente criam um sentimento de desordem deste mundo. Os diálogos e o mundo em si são muito bem construídos, com destaque para o vilão Moretti, um líder militar que manipula o rumo do governo e que constantemente caça e deseja a morte de Martha.
Dos subúrbios distópicos de uma sociedade suja, para campos de batalha surreais, até o espaço, A Saga Completa de Martha Washington no Século XXI é uma obra obrigatória para fãs de quadrinhos. Não só para aqueles que desejam uma abordagem mais psicodélica da narrativa, mas também para adoradores de críticas políticas e sociais ao mundo, é uma joia rara e infelizmente mal apreciada de Frank Miller, e que talvez só agora venha a agradar e ser apresentada ao público mainstream