Glória é um termo subjetivo. Varia de pessoa para pessoa. Afinal, cada um possui valores e opiniões diferentes sobre vitória, sobre realização. Mas a questão é: glória sempre será gratificante, não importa o quanto ela se difira de indivíduo para indivíduo.
300 é uma história sobre muitas coisas. Sobre patriotismo, dever, sobrevivência, amor, morte. Mas, acima de tudo, 300 é uma história sobre glória.
Moldado por Frank Miller, inspirado no filme de 1962, este é um quadrinho de valor inestimável para o mundo da literatura, em geral.
Esparta
“Nós marchamos. Da estimada lacônia, da sagrada Esparta, nós marchamos. Em nome da honra, em nome da glória, nós marchamos.”
Entre os anos 499 e 449, ocorreram as chamadas Guerras Médicas. Grandes conflitos entre o povo persa e o povo grego, alimentadas por um constante sentimento de medo por parte do povo grego, que se via ameaçado pelo avanço persa na Ásia, conquistado boa parte do continente.
Entre tantas batalhas, uma das mais lendárias inspirou a infame história de Frank Miller: a Batalha de Termópilas. Ali, os 300 de Esparta, liderados pelo Rei Leônidas, resistiram ao avanço persa.
Dessa forma, a “vitória” dos 300 é muito mais simbólica e espiritual, do que totalitária. Afinal, todos morreram, mas sua resiliência inspirou todo o povo grego no decorrer da guerra.
Portanto, há muito espaço para metalinguagem, desenvolvimento e interpretação visual na história. Frank Miller sabe disso, e, ao lado de Lynn Varley, constrói uma história carregada de muitos simbolismos.
Obcecados por um estilo de vida guerreiro, os espartanos seguiam métodos de treinamentos considerados desumanos hoje em dia, mas que, para eles, era um sinal de força e glória. Bem como jogar de um penhasco, seus bebês considerados “doentes” e “fracos”, e abandonar as crianças nas florestas. Se retornassem com vida, voltariam como verdadeiros guerreiros.
Assim, o sentimento bruto de força e resistência é sentido ao longo de toda história. Narrado por um personagem, a princípio misterioso, que conta a cruzada dos 300 até os Portões de Fogo, uma encruzilhada montanhosa onde os mesmos usam para emboscar seus adversários.
Após jogar um dos mensageiros de Xerxes I em um poço de Esparta, Leônidas declara guerra contra o líder persa. Ignorando seu clero, e até conselheiros, o Rei marcha para o norte.
Estética visual
De antemão, é preciso parabenizar Miller pela narrativa construída aqui. A trama se conecta quase de forma sinfônica com sua arte, alimentada pela narração que, muitas vezes, ajuda a contar duas histórias.
O narrador contempla as ações do Rei Leônidas, enquanto o mesmo lidera seu exército para a morte. Quando criança, o Rei sobrevive ao seu “agreste”, matando um lobo e carregando sua pele de volta a Esparta como símbolo do início de seu reinado.
Por analogia, Leônidas precisou encurralar o lobo para poder matá-lo com uma mera estaca de madeira, assim como ele faz com Xerxes e suas tropas nos Portões de Fogo. Esta é uma de muitas das várias simbologias construídas por Frank Miller ao longo da história.
As cores também prevalecem como um aspecto muito importante do traço. Miller já havia fortalecido essa identidade de sua escrita e de sua arte em Sin City: vermelho, preto, escuro; as cores são aspectos da narrativa também. Assim, voltamos ao argumento anterior da arte e da trama casarem tão bem.
Os persas, por exemplo, centenas de milhares contra os 300, desenhados e fixados na história como imbatíveis; assim como Xerxes, desenhado como um homem enorme, bem mais alto que Leônidas, uma personificação das correntes que querem prender a liberdade da Grécia.
Como resultado, 300 mescla os traços de Miller com sua história de forma orgânica, construindo lentamente a morte de Leônidas e seus guerreiros. Não de forma trágica, muito menos deprimente, mas gloriosa, um sacrifício de sangue tão vermelho quanto as capas dos Espartanos.
A vitória de Xerxes é amarga, Leônidas acerta seu rosto com uma lança, se fixa para sempre no rosto do mesmo como uma cicatriz. Assim como ele se fixa na história da Grécia, e de seu povo.
Veredito de 300
300 de Frank Miller é uma verdadeira marcha para a morte, e o próprio leitor se sente nas fileiras dos espartanos. A cada dia, a cada batalha, a cada vitória, se preparando para a derrota final.
Com uma arte magnífica de Frank Miller e Lynn Varley, esta história é realmente um clássico do mundo dos quadrinhos.
Como dito no começo desta crítica, é um quadrinho de valor inestimável, assim como o sacrifício dos 300 de Esparta, liderados pelo Rei Leônidas.
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