Em plena era vitoriana Dickens decidiu dar voz, a uma fase da vida por muito desvalorizada naqueles tempos, a infância, justamente no contexto histórico em que se tornou clara a negligencia sofrida pelas crianças na sociedade.
A revolução industrial tirou as pessoas dos campos e as colocou nas fabricas. Esse ambiente fechado, que outrora prometia segurança e estabilidade, mostrou-se devastador nos primórdios, salários baixos obrigavam as famílias mais humildes a alocarem seus filhos nos postos de trabalho, crianças que mal alcançavam as bancadas das máquinas, manuseando mecanismos perigosos em jornadas de trabalho extremamente extenuantes.
Em Oliver Twist, Dickens escancara o descaso ao colocar o leitor na pele de Oliver, um garoto órfão que é expulso de um orfanato, onde era maltratado a anos, por pedir mais mingau para matar a fome. Essa mesquinhez mostra o descaso daquela sociedade com sua fome, essa que nunca cessava, assim como o medo, o frio e a solidão, suas companheiras inseparáveis. Dickens nos apresenta uma criança como todos foram um dia, que poderia ser qualquer um naquele contexto, assustado, perdido e negligenciado ao mesmo tempo especial e com um potencial infinito para o bem.
Não apenas entre a plebe os pequenos tinham vida difícil, na aristocracia a cobrança sobre os mais jovens era brutal, o conceito de infância era pouco debatido, assim como suas necessidades. As crianças eram consideradas adultos incompetentes e eram tratadas como tal. Em David Copperfield, Dickens desnuda a sociedade britânica vitoriana que julgava as pessoas com base em sua riqueza contrastando com os olhos inocentes do pequeno David que nascido bem abastado, após uma sucessão de infortúnios, encontrava abrigo e amor em meio às pessoas mais simples.
Nos dois extremos, meninas e meninos, pobres ou ricos, tendo os pais ou órfãos se viam nas mesmas condições de abandono quanto a suas demandas, sem espaço para choro ou abraços confortantes pois haviam obrigações a cumprir, muito antes de entenderem o que isso significava. Charles Dickens com sua escrita perspicaz e introspectiva mantêm um ritmo de suspense onde a crueldade social parece olhar com um ar abutral para os indefesos protagonistas. Para além das críticas sociais, a obra de Dickens é atemporal, pois é capaz de colocar o leitor mais sensível numa máquina do tempo, sentando-o frente a si e o relembrando do quanto aquela criança que está lá dentro merece ser feliz.