Vinte anos atrás o sentimento de mudança estava mais vivo que nunca, obras como Matrix ditavam o tom de um novo e empolgante passo para a humanidade. Porém nesse mesmo contexto, o descontentamento de uma geração ansiosa e sem grandes atribuições emergia com mesma força, e com ela, o sentimento de inadequação que colocou sobre os holofotes uma juventude por muito tempo deixada de lado, eram o futuro iminente.
Foi em 4.48 Psychosis, 4:48, a hora em que supostamente a maioria dos suicídios acontecem, um título que dita o foco de sua obra derradeira, traz consigo toda a fragilidade da flor selvagem que se abria sobre as pedras da Londres noventista, que em seu balanço sensual e triste exalou por meio de palavras engasgadas o perfume de toda uma juventude claustrofóbica, prestes a encarar a virada de um novo milênio. Crianças ainda, já carregando o peso dos erros das gerações passadas ainda frescos e a consequente responsabilidade de mudar esse mundo.
O fim dos anos 90’s foi cercado de expectativa e ansiedade, a tecnologia da informação dava seus primeiros passos firmes e a sociedade caminhava para a inevitável dualidade da interação solitária, onde estar perto ou longe acaba tornando-se uma questão de perspectiva. Assim, a obra de Sarah transbordando paixão e melancolia juvenil soa tão fresca nos dias atuais, onde o calor humano dá lugar ao frio da tela de um aparelho eletrônico, no qual deposita-se emoções e tempo vivendo com o mundo nas mãos, mas de um modo invariavelmente solitário.
Na fria e sufocante Londres de Sarah, drogas, sexo e paranoia serviam apenas como um remédio para a solidão lancinante que teimava em acompanha-la onde quer que fosse, da qual tentou fugir várias vezes até finalmente conseguir. Sarah Kane tirou a própria vida no dia 20 de fevereiro de 1999, no banheiro do London’s King’s College Hospital contando apenas 28 anos, meses antes da virada do novo milênio.
A flor de Londres que nos deixou cedo demais, tanto tinha a ensinar com sua empatia incomum, aquela que melhor conseguiu expressar o ansioso e atabalhoado jeito moderno de amar. Na estrofe de um dos versos de um de seus textos mais memoráveis “reflections of a skyline” pergunta ao interlocutor de forma apaixonada, com a impaciência inerente ao coração jovem que o qual de forma tão vívida deu voz “esquece quem eu sou?”
Não Sarah, é impossível te esquecer.
Essa foi Sarah Kane, uma menina como tantos outros jovens imperfeitos, perdidos e desejosos de aceitação que não tiveram a oportunidade de se sentir a vontade nesta sociedade moderna e solitária. Deixando suas obras repletas de uma crueza rebelde e quase inocente de um coração ansioso por um lugar no mundo.