Aos poucos o cinema de terror e suspense vem se reinventando com o lançamento de filmes que saem dos clichês de jump scare e monstros surreais, e apresentando roteiros e narrativas que nos fazem refletir sobre temas importantes da sociedade. Assim fez em sua estréia como diretor de longa-metragem o espanhol Galder Gaztelu-Urrutia, que junto da Netflix, nos trouxe uma obra reflexiva, que retrata de uma forma abstrata e assustadora, a sociedade em que vivemos atualmente.
Situado em uma espécie de masmorra, a prisão conhecida como O Poço, o longa apresenta o personagem Goreng (Ivan Massagué), um homem comum que se voluntariou para ir ao poço, aparentemente para tratar de um vício com cigarros. Lá ele conhece seu colega de cela Trimagasi (Zorion Eguileor), um velho que já estava a meses no poço cumprindo pena, e passa a explicar as rotinas diárias da prisão para o jovem, que não se estendem muito além de comer e dormir. No poço, o detento não pega luz do sol e divide o mesmo banheiro com seu colega, em um determinado horário do dia, uma plataforma semelhante a um elevador, desce andar por andar para levar comidas aos presos, que possuem apenas um numero x de minutos para comer o quanto puderem, antes que a plataforma leve o que sobrar de comida para o andar de baixo. E é nesta premissa que a trama se desenvolve.
O diretor, embora com uma ideia simples e poucos recursos de cenário, acerta em cheio no roteiro uma vez que traz discussões como desigualdade social, consumismo descontrolado, desumanidade e a falta de solidariedade, assuntos que estão muito presentes nos dias atuais. O filme encaixa bem esses temas e nos leva à inúmeras reflexões, de acordo com o ponto de vista do espectador, o que é um outro acerto do roteiro, pois determinados pontos de vistas farão com que a interpretação do longa seja diferente para cada um, e mesmo que não tenha uma ideia objetiva e concreta sobre a trama, o filme não perde méritos pela narrativa bem feita em uma ficção científica que prende até o fim e estabelece a cada capitulo da história, novas discussões que formam estepes para uma discussão maior, englobando todas as outras.
A fotografia, cenários e figurinos ajudam a manter a tensão do roteiro, com cores frias acinzentadas e azuladas, e o fraco branco das luzes que contrastam no cenário. Quanto mais acima do poço o personagem está, mais luz ele recebe, o que ajuda a manter a sensação de claustrofobia e medo que o filme tenta passar. E em alguns momentos, o cenário escurece e luzes vermelhas e escuras são colocadas, fazendo aumentar mais ainda essas sensações, o que demonstra tamanha qualidade e sensibilidade da produção e direção, que além disso, acerta em cheio na escalação do roteiro, que se preocupa em trazer artistas mais expressivos do que galãs Hollywoodianos.
As atuações são meticulosas e muito tocantes, principalmente a de Ivan que faz uma sutil referencia à Dom Quixote, trazendo um lado mais humano para o filme. Diferente de Zorion, seu personagem traz um sarcasmo provocativo que cativa e uma personalidade peculiar, que afasta o espectador, quando por vezes demonstra ser o vilão da história. Antonia San Juan vive a personagem Imoguiri, que apresenta uma controversa doçura ríspida que indica uma profunda amargura provocada pela consciência pesada. Já o Baharat (Emilio Buale), traz o vigor necessário que a trama precisa para executar com êxito o seu ato final.
O Poço (ou El Hoyo), é uma obra muito bem dirigida que acerta nos mínimos detalhes para ter êxito na sua narrativa, que brinca com o gore em um roteiro recheado de suspense, drama, terror e reflexão, demonstrando que o cinema (não mais necessariamente em Hollywood) pode se reinventar e contar histórias que nos fazem pensar sobre a maneira de se portar em sociedade, e no caso deste filme, de uma forma assustadoramente real.