Antes tarde do que nunca. Esse antigo ditado popular permeia muito bem o sentimento que se tem quando se assiste ao filme Viúva Negra (2021). Dirigido por Cate Shortland e roteirizado por Eric Pearson, a história solo de Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) tardou, mas não falhou — com o perdão de utilizar mais um ditado popular aqui.
Desde que o Universo Cinematográfico Marvel ganhou forma e encorpou, houve clamor do público — ainda que tímido, já que o próprio UCM estava engatinhando — para que o estúdio realizasse o filme da heroína, ainda mais após seu debut em Homem de Ferro 2 (2010). E depois de muito tempo, o filme está entre nós. E nos cabe analisá-lo pela relevância que ele possui dentro do próprio UCM.
O filme se passa logo após os acontecimentos de Capitão América: Guerra Civil, quando os Vingadores se desentenderam em suas ideologias, criando dois grupos distintos. Com o final do filme, a Viúva Negra, está foragida e precisa sobreviver à perseguição do General Thadeus “Thunderbolt” Ross (William Hurt), bem como persegue o Capitão América. Em sua fuga, ela entrará no radar de sua “irmã”, Yelena Belova (Florence Pugh), personagem com algumas contas a acertar. Assim, disposta a ajustar o seu passado, a Vingadora entrará em uma missão onde nenhum de seus amigos Vingadores podem ajudar e que a colocará frente a frente com o seu maior antagonista, o General Dreykov (Ray Winstone).
O maior desafio do longa é fazer com que um filme que, supostamente não tem relevância dentro do UCM, ser justamente o contrário. E funciona perfeitamente! Seja pelo fato de que os acontecimentos passados que são realmente bem interessantes, juntando pontas soltas que deixaram os espectadores curiosos, como o que aconteceu em Budapeste entre Natasha e seu amigo Clint Barton, o Gavião Arqueiro, ou para o futuro do UCM, que faz uma aposta certeira no que virá a se tornar da própria Viúva Negra.
Por ser um filme da Viúva Negra, era de se esperar que o longa tivesse todo o ar de espionagem que a personagem exige, e realmente é possível observar isso, desde os créditos iniciais, mas, como é um filme Marvel, esse clima vai gradualmente se desvanecendo, dando lugar a um filme mais focado na ação, sem cortar completamente o clima 007, que, aliás, possui uma referência ao longo da película. Contudo, essa sensação de que o filme vai perdendo sua essência de espionagem pode frustrar um pouco os espectadores. É fato que a Viúva Negra possui um carisma fora do comum, e sua inteligência posta em prática é quase tão bom de se ver — ou até melhor — do que as cenas de luta que ela emprega, que são, por si só, incríveis.
Tratando da história em si, o longa é uma belíssima homenagem para nossa Vingadora mais querida. Cheio de referências clássicas — inclusive sobre as poses exageradas que a protagonista realiza ao longo de todas as suas participações no UCM, numa alusão à sua desnecessidade de realizá-las — até às suas técnicas de interrogatório, o filme escala em tensão, o que faz com que o espectador tema, inclusive, pela vida da protagonista, mesmo que todos saibam que isso não ocorrerá, por razões óbvias.
Também é importante frisar o arco da família, por ser um assunto bem presente. Natasha cresceu sem seus pais biológicos, mas teve em Melina Vostokoff (Rachel Weisz) e Alexei Shostakov (David Harbour) essas figuras por 3 anos, junto de sua “irmã” mais nova Yelena. Apesar de saber que não são eles sua família verdadeira, e de tentar renegá-los como tais nos anos seguintes, é interessante ver uma “química familiar” entre eles, quando em um determinado momento do filme, estão todos reunidos. É um fator importante, inclusive pelo fato de Natasha, em filme anterior já ter dito que seus companheiros Vingadores são sua nova família, fator que denota a importância desse instituto para a personagem, por ser algo que ela jamais teve — pelo menos não de nascença.
No núcleo antagonista, fãs mais puristas podem reclamar do vilão Treinador, mas dentro do contexto do filme, o personagem acaba por funcionar. Sua luta contra a Viúva Negra no primeiro terço do filme é sensacional e nos deixa com um gostinho de ‘quero mais’. Se considerarmos que, de fato, o vilão foi um tanto quanto mal aproveitado, principalmente por ter muito potencial, utilizando-o apenas em cenas curtas. Neste caso, as queixas são justificáveis.
Já o General Dreykov, personagem que não existe nas HQs, é a caracterização perfeita de um vilão clássico de filmes de espionagem: do mal, mandão, gosta de ter o controle de tudo em suas mãos e, acima de tudo, existe uma urgência em torcer para a Viúva Negra derrotá-lo. Isso sem mencionar a sutil, porém muito bem executada, crítica social de controle masculino sobre mulheres, e como a conclusão acaba por gerar uma grande satisfação no espectador.
O longa pode até não ser necessário, mas é o filme que gostaríamos que o Marvel Studios tivesse lançado há muito tempo. Por todo o conjunto da obra, é essencial assistir. Pode não agregar muito dentro do UCM — se não considerar a cena pós-créditos, sendo ela essencial —, mas é a homenagem perfeita, encerrando de forma incrível a passagem de Natasha Romanoff dentro deste Universo que tanto nos diverte.