É um momento político muito importante em Petria, país do jogo Road 96. De um lado, um governante tirano chamado Tyrak, que comanda o país com mão de ferro. Ele ameaça a democracia e permanece no poder, aumentando sua influência e, consequentemente, seu domínio.
Do outro lado, temos a candidata da oposição. Seu nome é Florres e ela pretende substituir o atual governante via eleições. Seu objetivo, segundo o que ela diz, é destroná-lo e tentar levar o país para um futuro um pouco menos sombrio.
No meio disso, a imprensa manipula a opinião pública em favor de Tyrak e os jovens, o futuro do país, não possuem mais esperança de nada. Inclusive, muitos deles pretendem fugir para as fronteiras, bloqueadas, impedindo qualquer êxodo.
O tempo não poderia ser mais propício para o lançamento desse jogo indie, do estúdio francês Digixart. O mundo atual está muito dividido em sua luta pelo voto certo e isso acaba por ser a premissa do jogo. Pode parecer até muito simplista, mas possui uma mensagem muito profunda. E nós do Código Nerd 42 vamos destrinchar um pouco.
História
Estamos em Petria. A data é de 1.º de junho de 1996. Dez anos antes, houve um ataque terrorista que ceifou a vida de várias pessoas, e a culpa foi atribuída a um grupo extremista chamado Brigada Negra. Contudo, não fica claro se realmente foram eles os culpados.
O país está em declínio. O momento político, conforme dito, é delicado. As pessoas não estão contentes, e o país se dividiu entre aqueles que querem a mudança e não há perspectiva de melhora. Dentro desse cenário, jovens desaparecem de seus lares sem deixar vestígios.
A imprensa divulga sempre os desaparecimentos, sendo esses os quais o jogador irá escolher. Antes de tudo, o enredo pede para que nós, jogadores, nos posicionemos, podendo escolher o lado de Tyrak, o de Florres ou o lado neutro.
Não fica claro qual é o lado que escolhemos pelas perguntas, mas é somente um caminho para aceitar qual seria a escolha do jogador. E tudo o que ocorre no jogo é rodeado pela disputa presidencial. Inclusive, encontrando personagens que também se posicionam politicamente.
A disputa é tão acirrada que o medo de que 1986 se repita é enorme. Talvez por esse motivo a mídia seja tão parcial a favor de Tyrak, mídia essa liderada pela jornalista Sonya, uma das NPCs (Non Playable Character) que encontramos no caminho. A parcialidade é tamanha que a soma das porcentagens de intenção de voto entre Tyrak, Florres e nulos, ultrapassa e muito os 100% possíveis.
Sonya é uma jornalista muito influente e possui muitos seguidores. É até estranho encontrar ela tantas vezes durante o enredo, já que é de se esperar que ela esteja muito ocupada com toda a revolta acontecendo. Ela também é responsável por divulgar jovens desaparecidos.
A história do jogo se baseia em mostrar o caminho a seguir rumo à Rota 96, não importando em como se chega lá. O jogador encontrará os NPCs em situações diferentes, mas falaremos disso um pouco mais para frente. O objetivo principal é sempre fugir de Pétria.
Personagens
Antes de falar dos NPCs, é importante dizer que o jogador possui a liberdade de escolher entre 6 personagens o qual ele guiará em Road 96. Esses personagens não possuem voz, não possuem um rosto e tampouco personalidade, cabendo ao jogador entregar essa última característica.
Isso gera um pouco de dificuldade, pois não se aprofunda o conceito do personagem-jogador. Sem um nome, os NPCs referem-se a ela ou ele como garota ou garoto. O dinheiro é escasso e por muitas vezes é necessário realizar atos questionáveis para se ter algum.
Os NPCs não fazem bonito tampouco. Apesar de ter um background um pouco mais elaborado, não é tanto assim. Ao todo, os 6 personagens que devem fugir do país encontram todos os outros em situações distintas, seja pegando uma carona, dentro de um ônibus ou ainda em um restaurante.
Os NPCs são:
- Zoe: Adolescente, filha de um grande figurão da política, não aguenta mais tudo o que o pai faz e tampouco Petria, por isso quer fugir;
- Alex: O estereótipo do garoto pequeno, mas gênio. Está ajudando alguém com situações que envolvam o uso de tecnologia;
- Fanny: Policial tentando se provar e que, por vezes, parece ser alguém compreensiva e, noutras, alguém fora do controle, o que gera confusão na cabeça do jogador;
- Stan e Mitch: Motoqueiros baderneiros e ladrões, estão sempre arranjando confusão e buscam Sonya constantemente, por crerem que ela sofrerá um atentado e entendem que, por isso, precisam protegê-la;
- Sonya: Jornalista parcial que manipula a mídia em favor do canal e de si própria. Egocêntrica, ela se importa somente com ela mesma;
- Jarod: Personagem misterioso. Tudo o que se sabe é que ele está atrás da Brigada Negra, por conta de sua filha ter morrido nos atentados de dez anos antes;
- John: Um caminhoneiro aparentemente boa praça, que perdeu sua esposa nos ataques terroristas.
Todos os NPCs ou ajudam, ou precisam de ajuda. Desta forma, é sempre importante interagir com eles para que o personagem possa dar continuidade em sua jornada rumo à fronteira e fugir.
Jogabilidade
A jogabilidade em Road 96 é em primeira pessoa, mas não se vê membros, ou seja, braços, mãos pernas e pés. É possível correr, mas não faz uma grande diferença na gameplay.
As ações e escolhas do personagem, em alguns casos, podem trazer consequências futuras ao final do episódio de cada um dos 6 selecionáveis. Não somente isso e, estranhamente, toda a experiência adquirida com um personagem passa para outro. Por exemplo: caso um selecionável consiga a experiência de hackear computadores, todos os outros que jamais se conhecem também a ganham.
Enfim, situações assim não chegam estragar o jogo ou diminuir a análise, mas isso entrega uma experiência um pouco estranha.
Problemas! Muitos Problemas!
Road 96 é extremamente contemplativo, e isso pode fazer com que os jogadores entendam isso como monotonia. Todos os selecionáveis cruzarão com os mesmos NPCs e deverão ajudar ou pedir ajuda. Desta forma, entende-se um pouco a história de cada um e quando se começa a criar alguma empatia com eles, somem para nunca mais encontrar depois — pelo menos até o próximo desaparecido jogar.
Assim, o que dá a entender é que tanto faz como tanto fez se os NPCs aparecem para o jogador ou não. A profundidade é muito rasa e o jogo não faz questão nenhuma de aprofundar. Se, ao invés de dividir a história em 6 personagens, fosse somente 1, com todas as dificuldades, o enredo seria mais interessante, por ter uma imersão melhor com os personagens não jogáveis.
A verdade é que por mais que você ajude — ou não ajude — a sensação de obrigatoriedade é simplesmente zero. A sua moral determinará se ajudará ou não. Fora isso, não há um motivo plausível e forte o suficiente que fará com que o jogador se compadeça e ajude.
Semelhança entre Road 96 e Life is Strange
Na mesma toada do jogo deste subtítulo, Road 96 tem dois excelentes trunfos: os gráficos, remetendo a uma história totalmente pintada à mão, dando ares muito bonitos, e também a trilha sonora. Essa sim, é excepcional, o que gera a vontade de jogar somente para ficar ouvindo.
Não somente isso, mas o jogador mais atento conseguirá observar o nome de músicas nos começos dos episódios. Somente para esclarecer, em um episódio da Zoe, o nome é Smell Like Teen Spirit. A música não está no jogo, mas a cultura pop jovem permanece, ainda mais sendo a época de 1996. As referências são incríveis. O Spotify disponibiliza a playlist do jogo. Acredite: vale muito a pena.
Conclusão
Road 96 não é um jogo que prenderá a atenção de jogadores mais afincos. É, de fato, bastante contemplativo, o que pode gerar confusão com monotonia. Interagir com outros personagens e realizar escolhas, jogar mini-games e procurar chegar na fronteira com o máximo de energia são fatores que não são atrativos para jogar.
É ótimo em alguns aspectos. A trama política é interessante — principalmente pelo momento atual, não somente no Brasil, mas mundialmente falando —, contudo, não chega a ser um diferencial, por ser muito superficial. Isso porque não importa muito qual é a convicção política do jogador, o objetivo final não muda.
Assim sendo, o estúdio se esforçou muito para criar uma mensagem de esperança, considerando a mudança através do voto. Contudo, conforme dito acima, não traz nenhuma mudança para o jogo, por conta do objetivo final já citado.
A sensação é de que o jogo possui um enorme potencial, mas que é desperdiçado, apesar do esforço que a desenvolvedora colocou no game. Pode agradar, desde que se desprenda do conceito de que o enredo pede para se posicionar politicamente. Melhor mesmo se engajar na história e chegar no objetivo, sem muita preocupação.
Afinal, o que dizem é que não importa o objetivo, mas sim a estrada que leva até lá. Então, peça carona, pague um ônibus ou vá andando, mas não se esqueça de que você, assim como todos os personagens desse jogo, possuem sonhos, e alcança-los é parte da grande jornada da vida.