Que tipos de poderes você gostaria de ter? Voar? Visão raio X? Que tal ter um super nariz? Com certeza ter um bom olfato na Paris fedorenta do século XVIII não pode ser considerado uma benção, mas o abandonado e rejeitado Jean-Baptiste Grenouille não parece dispor de muita sorte. Cedo descobre possuir um faro extraordinário, e logo decide criar o perfume perfeito que seduziria e dominaria qualquer um, porém para conseguir a fragrância, Grenouille precisa matar.
Desde o início, o narrador faz questão de dizer que nosso protagonista está longe de ser um mocinho. Testemunhamos o nascimento, a infância, o crescer de Jean-Baptiste; um menino que é posto ao mundo junto a restos de peixes e abandonado logo em seguida. Por todo lugar, Grenouille está, mas é evidente que ninguém o quer, quem gostaria de um bebê que não tem cheiro? No entanto, ninguém sabe do incomum dom que esse estranho menino tem. Desde pequeno, Jean consegue identificar as mínimas notas de fragrância de todas as coisas. De fato, consegue até mesmo saber se alguém está se aproximando do orfanato, mesmo a quilômetros de distância de onde está.
Sem amigos, sem família e sem qualquer pessoa, o menino cresce e se torna alguém taciturno, que passa despercebido por onde passa. Os personagens secundários, muitas vezes, se mostram talvez mais cruéis do que o nosso futuro assassino, uma vez que são raras as vezes em que mostram compaixão e algum remorso por desejarem tanto se livrar do menino. Sua única paixão é o mundo da perfumaria, e ele se dedica em tempo integral para aprender tudo que pode sobre o mundo que o fascina.
Tudo que Jean quer saber é aprender. E para isso, ele está disposto a fazer qualquer coisa. A falta de afeição em sua juventude sem dúvida o influencia e a história se torna mais sombria quando vemos nosso aprendiz matando animais para obter suas essências, se tornando cada vez mais obcecado com o aprender.
Sem dúvidas, um dos momentos mais chocantes do livro é quando o homem consegue criar um perfume com olor humano. Ao longo da obra, conhecemos a genialidade, a frieza e a malícia com as quais Grenouille consegue enganar os que estão ao seu redor, mas é a partir desse momento, quando as pessoas finalmente o reconhecem, o veem como igual, é que o protagonista se torna de fato o vilão. Jean-Baptiste se sente um Deus. Um ser superior em inteligência e olfato. Como são bobos esses homenzinhos! Passa agora a não mais odiar os humanos, mas a desprezá-los por serem tão burros, tão fáceis de serem enganados. Se sentindo invencível, é hora de usar todas suas habilidades para fazer esses homens tolos o adorarem, o desejarem, o amarem.
Patrick Süskind escreve de maneira magnífica, com uma linguagem que está entre o simples e o complexo, apesar do excesso de descrições, o autor cumpre de todas as formas a missão de nos inserir nesse ambiente hostil e fascinante que é a cabeça do nosso assassino. É impressionante como o escritor consegue fazer uso do sentido do olfato indiretamente, nos sentimos como Grenouille, sentimos o que ele sente, aspiramos o que ele aspira. Sua habilidade na construção de personagem é tamanha que consegue fazer com que simpatizemos com este monstro, e certamente é um de seus trunfos na carreira como escritor.
Estendia-se todo, corporeamente, tanto quanto era possível, no estreito aposento de pedra. Interiormente, no entanto, na recém-varrida esteira de sua alma, ele se esticava confortavelmente em todo o seu comprimento e dormitava e deixava que refinados aromas dançassem à volta do seu nariz: um ventinho bem temperado, como que trazido por prados primaveris; um vento morno de maio, a soprar entre as primeiras folhas verdes da faia; uma brisa do mar, acre como amêndoas salgadas.
Segundo nosso perfumista, há alguns entre nós que cheiram melhor que outros. Estes são adorados, queridos e muitas vezes creditamos a beleza pelo que não podemos sentir. O perfume perfeito deve ser composto do aroma dessas queridas vinte e quatro moças. Será que Grenouille consegue criá-lo? Só lendo para descobrir.
Eletrizante, assustador e um bálsamo para a literatura. Assim pode ser descrito O Perfume, uma história inusitada, porém que não passa despercebida após sua leitura.