Bartleby é um escrivão em um escritório. Comparado aos seus colegas, ele é um exemplo de funcionário. Faz todas as cópias que lhe são solicitadas em tempo recorde, nunca reclama de nada, e parece que está sempre presente no ambiente de trabalho. Mas às vezes Bartleby age de um jeito estranho… Ele não parece se alimentar direito, está sempre pálido e com um aspecto doente, e nunca deixa de responder às perguntas dirigidas a si com o verbo preferir: prefiro não fazer, prefiro fazer tal coisa…
O livro inicia com a narração do chefe do escritório, que mesmo não se nomeando, logo trata de apresentar todos os funcionários. Somos apresentados a Peru, Alicate e Bolinho de Gengibre, personagens que entendemos de cara que receberam apelidos conforme as próprias excentricidades. Não demora nada até que o nosso narrador nos apresente aquele a que dá nome ao livro, Bartleby.
Fica claro que o infame funcionário possui mesmo hábitos estranhos: costuma olhar de maneira fixa para fora da janela do escritório, come somente bolinhos de gengibre, e outras esquisitices… Contudo, o que realmente nos deixa perplexo é como ele sempre responde perguntas e propostas de acordo com suas preferências.
A grande questão não era se eu havia presumido que ele me deixaria, mas se ele preferiria fazê-lo. Ele era um homem de preferências mais do que de suposições.
Apesar de tudo isso, ele ainda é um ótimo copista, então por que implicar com isso? Por que se preocupar com as palavras que usa, a aparência dele ou qualquer outro aspecto? É irrelevante. Ele cumpre seu papel. Até que um dia, prefere não fazê-lo.
É nesse momento que se nasce o problema. O chefe tenta ser compreensivo, e supõe que Bartleby deve estar com algum problema nos olhos, tenta se comunicar e entender o que estava acontecendo, mas o homem não diz nada, melhor: prefere não fazê-lo. Com o tempo, a falta de respostas faz crescer nossa curiosidade e impaciência. Quem é Bartleby? O que aconteceu para ele ficar assim? Por que ele nunca fala nada sobre sua vida?
A vontade de descobrir a razão por trás desses pequenos mistérios é tamanha que queremos entrar no livro, sacolejar esse escrivão esquisito e exigir uma resposta. Conforme a leitura, vários acontecimentos reiteram o suspense, é como se o mistério fosse uma sinfonia com notas que apenas crescem, mas nunca retornam para o fim da música. A obra se encerra de maneira bem triste, e é impossível não passar pelo menos dez minutos refletindo sobre o término da leitura.
Na verdade, pode-se dizer que Bartbleby é, sem dúvidas, um dos homens mais manipuladores da literatura. Apesar de toda frustração, a forma como suas respostas são sempre concisas, e carregadas de calmaria faz com que a gente sinta pena de sua situação, mesmo sem saber qual ela é, de fato. Como o próprio narrador pontua, havia algo em Bartleby que nos toca e nos desconcerta, nos deixa sem saber o que pensar.
Com qualquer outro homem, eu teria me entregue por completo a uma fúria terrível, desprezado quaisquer outras das suas palavras e o removido para longe de minha presença. Mas havia algo em Bartleby que estranhamente não apenas me desarmou, mas de uma maneira maravilhosa me tocou e desconcertou.
Sem dúvidas, isso tem de ser um trunfo do autor do conto, Herman Melville, pois sua escrita nos introduz a tamanha aura que fica difícil não imaginar seus personagens ou o cenário de sua história. Independente de conter algumas palavras complicadas, a escrita flui, combina com a trama que nos é apresentada, e ainda ajuda a construir nossa visão sobre seu mundo. Aqui, é um dos casos em que a escrita não é um empecilho para a leitura, mas sim um apoio, que combina tão bem que chega a ser quase que imperceptível, não podendo ser separado do roteiro.
Há quem possua a coragem de citar grandes filósofos ou grandes escritores como Kafka em sua resenha de Bartleby, o escrivão. Há também quem diga ser um exemplo silencioso de como o capitalismo é prejudicial. E ainda há, os que o relacionam com a procrastinação.
Seja qual for a interpretação do conto, é óbvio que possui grande qualidade, e é rico em detalhes a serem explorados. Até poderíamos comentar todas as teorias que o envolvem, mas preferiria que não. Sabe por quê? Preferíamos que você mesmo decidisse ler e compartilhar conosco suas teorias!