Dirigido por uma das grandes lendas vivas do cinema, Steven Spielberg, Os Fabelmans finalmente chegou aos cinemas brasileiros. O filme é baseado na própria vida de Spielberg, não é à toa que um pouco antes de iniciar é exibido um vídeo onde ele não somente agradece quem está na sala de cinema assistindo, mas, também, fala brevemente sobre como esse foi o seu filme mais pessoal.
No documentário Spielberg, ele e suas irmãs relembram a fase mais delicada de suas vidas, envolvendo um conflito familiar muito específico. E Os Fabelmans, sob o seu ponto de vista, aborda essa questão como espinha dorsal da história, bem como outros temas que ele vivenciou e relatou abertamente, como por exemplo, relacionamentos precoces, divórcio, raiva e amor. Mas a alma que verdadeiramente guia esta história e passa por esses assuntos é a sua paixão pelo cinema, e como isso ditou praticamente toda a sua vida.
A estreia mundial do filme foi no Festival de Cinema Internacional de Toronto, e foi eleito como melhor filme por voto popular; além de Spielberg ter recebido estrondosos aplausos. E já devemos antecipar: temos aqui um fortíssimo candidato ao Oscar 2023.
No filme, Sammy (Gabriel LaBelle) descobre sua paixão por filmes a partir do momento em que seus pais o levam no cinema pela primeira vez. Então, fazer filmes vira a sua vocação, e mesmo eles sendo caseiros, o rapaz utiliza todas as técnicas possíveis para transmitir as poderosas emoções ao espectador. Contudo, em um de seus inúmeros registros diários de sua família, ele descobre um segredo devastador, que muda a visão de mundo não apenas de todos ao seu redor, mas de si mesmo.
Os Fabelmans e seu amor ao cinema
É difícil para qualquer pessoa se lembrar do momento exato em que se apaixonou pelo cinema pela primeira vez. Todo mundo tem aquele filme cujo determinado elemento marcou, gerando uma forte memória afetiva. Isso vai desde o impacto de uma cena de ação, a uma preocupação com um personagem que você gosta, até o uso de uma trilha sonora específica em um momento específico. E logo na introdução de Os Fabelmans, temos o momento que teria mudado a vida de Spielberg para sempre, o dia em que ele assistiu ao seu primeiro filme no cinema: O maior espetáculo da Terra (1952).
Chega a ser poético como os conceitos de cinema foram moldando a juventude do nosso protagonista. O seu fascínio se estende para além dele ter sido impactado, é sobre como ele utilizará determinadas práticas para gerar esse impacto em outras pessoas. E da mesma forma que ele aprende algumas regras técnicas, nós, como público, aprendemos com ele tais truques. A essência dessa história aborda um lado interessantíssimo sobre o cinema: essa arte, assim como todas as outras, é subjetiva e causa as mais variadas emoções, mas tudo que a compõe, sem exceção, foi planejado de maneira objetiva por alguém.
Nesse sentido, esse contato de Sammy com os filmes é intrínseco na trama, justamente por dialogar a respeito de sua vida e de todos à sua volta. Uma simples manipulação e troca de intenções pode gerar um filme totalmente diferente do que ele havia pensado. E muitas vezes nada precisa ser dito para sentirmos o peso emocional do que é proposto. Às vezes, apenas os sutis movimentos de câmera e a reflexão das projeções já trazem a sensibilidade necessária. Seus filmes caseiros evoluem cada vez mais, conforme sua própria história progride. O filme trata o ato de fazer cinema com muita doçura, melancolia e diversão.
A construção do drama
A compaixão que Spielberg tem sobre seus personagens é fascinante. Não estamos lidando com pessoas boas e más, mas com pessoas reais. Esses personagens não ficam presos à unidimensionalidade, visto que são falhos e postos à prova em diversos momentos. E isso não quer dizer que sejam ruins, o próprio Sammy se mostra questionável com certas atitudes. E durante a experiência, percebemos que não dá para ficar contra quem você acompanha nos mínimos detalhes e sentimentos, mesmo que não concordemos.
A própria figura clichê do valentão americano é subvertida em alguém com camadas que não querem ser reveladas. Assim, temos um filme que decide abraçar todos os pontos de vista de uma história que já parecia ”certa”. Não é só sobre a vida de Sammy, mas sobre todos à sua volta, e como esse drama é visto por diferentes perspectivas.
E é lindo como as atuações impactam. Michelle Williams é poderosa em cena, ela rouba todas para si, não só quando precisa extravasar seus sentimentos mais reprimidos, mas até quando altera sua feição em questão de segundos, sem precisar dizer o que sua personagem está sentindo. Já o jovem Gabriel LaBelle, é de uma graciosidade sem igual, devido à simpatia e verdade em suas expressões. Outro destaque é o subestimado Seth Rogen, que, mais uma vez, se expande para além de um personagem cômico.
Portanto, Os Fabelmans é um excelente retrato da vida, mostrando a inevitabilidade de certas coisas. É curioso como o filme mais recente de Spielberg reflete quase todos os filmes de sua carreira em temáticas familiares. Esse filme também mostra como o cinema é forte como ferramenta; a última cena é de uma genialidade sem tamanho, visto que Sammy estaria pronto para viver o que Spielberg é agora — e todo o seu aprendizado é representado por uma correção de câmera no último take. Viva o cinema!