As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada ainda servia como uma continuação coesa para Príncipe Caspian. Não só a história se passa apenas algum tempo depois, como a maioria dos personagens retorna, ou várias referências são feitas para manter um sentimento de conexão creditável entre as duas histórias.
Em A Cadeira de Prata há outro grande salto temporal. Como visto entre o primeiro e segundo livro, o tempo em Nárnia passa completamente diferente do nosso mundo. Isso faz os Irmãos Pevenise se depararem com uma Nárnia bastante diferente da que eles governaram séculos atrás. Aqui, isso retorna, e Lewis tem a oportunidade de mais uma vez reformular sua terra.
Novas e estranhas terras
Somos apresentados a uma das localidades mais interessantes já criadas por Lewis. As Terras Agrestes do Norte é o lar dos Gigantes, uma terra gelada, estranha e cheia de ruínas de tempos antigos. Nossos heróis dessa vez são Eustáquio, retornando da história anterior, e Jill Pole, uma nova personagem e amiga de Eustáquio no nosso mundo.
Ambos estavam fugindo de alguns valentões de sua Escola Experimental, que servia mais como um internato para estudar o comportamento infantil. Após chamar por Aslam, Eustáquio e Jill vão para Nárnia através de um portão de um muro, e lá recebem a missão de encontrar o príncipe perdido, Rilian. Ele é filho de ninguém menos que Caspian X, agora um rei idoso e cansado.
Juntos, eles viajam para as Terras Agrestes ao lado de uma estranha criatura chamada Paulama, e acabam por descobrir que o destino de Rilian pode ser a salvação ou a destruição de Nárnia.
A Cadeira de Prata é um dos livros mais independentes da saga. Fica clara a intenção de Lewis de expandir seu mundo cada vez mais, além de Nárnia. Isso faz a história ter um ar mais cru e áspero, com consequências brutas nos personagens conforme as decisões que tomam.
Falando em personagens, Eustáquio finalmente alcança o protagonismo apenas sugerido no livro anterior, e Jill Pole é uma ótima adição para o elenco de heróis de Nárnia.
Gigantes, cavernas, feiticeiras…
Se o seu antecessor é uma viagem marítima divertida, explorando os limites do mundo conhecido e introduzindo vários mitos europeus nos elementos da história, então A Cadeira de Prata é uma jornada nas terras ocultas de Nárnia.
Casas de gigantes, túneis escuros, cidades em cavernas enormes com gnomos tristes. Há um tom mais opaco e melancólico para a história, mesmo que o humor ainda tire um pouco disso pela natureza infantil que deve sempre prevalecer.
Além disso, somos introduzidos a uma nova feiticeira, a Feiticeira Verde. A vilã tem um plano creditável e inteligente para dominar Nárnia, e apesar de o livro preparar uma revelação para o leitor, fica claro o que está por vir nos capítulos finais da história.
Mas indo para os elementos mais abstratos da narrativa, temos uma das melhores reflexões religiosas já introduzidas em As Crônicas de Nárnia. No começo da história, Jill é ordenada por Aslam a fazer esses sinais importantíssimos toda noite antes de dormir, para assim lembrar de sua missão e nunca se deixar ser seduzida pelas maravilhas materiais do mundo.
Sendo um claro ato de rezar, de lembrar de sua fé; os sinais são uma parte importante por trás das cortinas simplistas que a obra esconde, e nos lembra da genialidade de Lewis quando se tratava de mascarar essas mensagens nas entrelinhas.
Esse clima um pouco mais deprimente também é sentido no envelhecimento de Caspian. O antigo e jovem rei, belo e corajoso, que vimos nas histórias anteriores, agora é um senhor de idade, desesperado em encontrar Aslam nas Ilhas para aconselhá-lo. Isso nos lembra que Nárnia pode ser o lar de muitos heróis, mas os heróis envelhecem, morrem e desaparecem, mas nunca são esquecidos.
Veredito
As Crônicas de Nárnia: A Cadeira de Prata é um dos capítulos mais singulares desta saga. Seja pela natureza mais sombria da história, da evolução de Eustáquio, ou da introdução de Jill Pole. Ou talvez tudo isso de uma vez, a leitura é um verdadeiro descobrimento das estranhas terras de Nárnia, e, com certeza, merece seu lugar no topo.