Dirigido por Sofia Coppola, Priscilla encerra os lançamentos mais esperados de 2023. O projeto, adaptado da obra Elvis e Eu, conta com as memórias de Priscilla Presley e seu romance conturbado com o Rei do Rock. Distribuído pela A24, a produção foi muito bem recebida no Festival de Cinema de Veneza 2023, fazendo a plateia ovacionar por sete minutos; além de ter rendido indicação de Melhor Atriz para Cailee Spaeny no Globo de Ouro 2024.
A MUBI irá adicionar o filme em seu catálogo em breve, mas nesse momento, ele se encontra disponível na sua sala de cinema mais próxima.
No filme, a adolescente Priscilla Beaulieu (Cailee Spaeny) conhece Elvis Presley (Jacob Elordi) em uma festa e o astro se torna alguém completamente inesperado em momentos íntimos. Ela acaba por viver uma paixão sem igual com o Rei do Rock, mas descobre um lado não muito conhecido do mesmo.
Priscilla e a desconstrução de Elvis Presley
Um fator que se torna intrínseco para discussão deve-se à cinebiografia de Elvis por Baz Luhrmann. Enquanto o filme endeusa a figura do artista, afinal, é narrado por aquele que o via dessa forma, aqui existe a desconstrução de sua imagem estelar. Um busca a construção do Elvis como um showman e os principais conflitos que ditaram sua carreira, com pinceladas em sua vida pessoal, pois o lado humano não era tão importante para o narrador escolhido, afinal, aos seus olhos só existia ‘’Elvis, a lenda’’ e nada mais.
O que, convenhamos, é uma maneira inteligente de honrar a memória do artista utilizando de uma escolha artística. Porém, a visão abordada no projeto de Sofia Coppola é completamente distinta. Se em um lado temos um longa teatral repleto de extravagâncias, inquietação e fantasia, do outro temos recortes íntimos e sutis sob um ponto de vista passivo. Assim, o filme é quase isento das músicas de Elvis, visto que a sensibilidade narrativa centra-se no impacto que ele, como pessoa, teve sobre Priscilla.
Contudo, este filme o trata, de todas as formas, como uma pessoa, com muitos altos e baixos. E o fato de ser amplamente conhecido influencia seus problemas, sendo o ego o principal deles; o que, certamente, levou a um relacionamento perfeito de baixo dos holofotes e abusivo fora deles. Desse modo, a interpretação de Jacob Elordi é na medida certa. Não é apenas pela ótima reprodução em sua voz, mas também por evocar a ambiguidade de um personagem contraditório.
O que soa mais incomodativo é sua caracterização simplória, que, por horas, parece uma paródia. As recriações de capas de revista, imagens e discos são absurdamente bem-feitas, muito por causar um estranhamento devido à tamanha semelhança. Entretanto, fora das mídias citadas, ele acaba sendo somente um Jacob Elordi bem-arrumado e de cabelo penteado. Mas, na verdade, isso pode até ser uma decisão proposital: para o mundo externo, ele é o Elvis perfeito, mas para Priscilla, ele é apenas mais um daqueles tantos homens que viviam ao redor dele. Quem sabe?
A perspectiva de Priscilla
A imagem mítica de Elvis é desconstruída para construir Priscilla. Logo nos primeiros momentos, seus delicados pés passeiam pelo carpete e logo acompanhamos um plano detalhe de seu olho, destacando seu delineado. Ou seja, passamos a entender desde já que o conflito se trata de uma juventude ofuscada pela precoce vida adulta. É angustiante como o filme trabalha a submissão de sua protagonista, não é à toa que o ator escolhido para ser seu par romântico é extremamente alto, atraente e esbanja segurança.
Então, a personagem traz um desenvolvimento visual fascinante. Ela inicia como Priscilla Beaulieu em sua aparência jovem e natural e, gradualmente, transforma-se na Priscilla Presley, montada com roupas elegantes, unhas chamativas e um cabelo característico. Mas, as perguntas que permeiam são: será que essas mudanças drásticas foram por conta própria? Ou sua falta de autonomia e posição fizeram com que isso acontecesse?
E acaba que essas modificações fazem parte de seu estudo de personagem. Aliás, se a caracterização de Elordi deixa a desejar, todo o cuidado tomado com o Cailee Spaeny é notável. Ainda mais pelo fato de a personagem demandar mais desse aspecto físico. Sendo assim, Spaeny vive e transborda Priscilla com muita delicadeza e plenitude; entretanto, o filme parece não ter espaço para dar uma cena realmente intensa para ela e seu parceiro de cena.
Portanto, Priscilla funciona muito bem ao estimular o espectador a compreender uma história de amor que conhecemos previamente, mas aprofundada por outro ponto de vista. Embora seja nítido o baixo orçamento em determinadas execuções, Coppola trabalha bem a ambientação da época e imersão do público em aspectos mais psicológicos, tornando a experiência uma espécie de sonho melancólico. Assim, temos um contexto idealizado cuja realidade é decepcionante, em que a protagonista transita e progride numa passagem de tempo com peso narrativo, atingindo a proposta desejada.