Dirigido por Ari Aster, Beau Tem Medo chegou recentemente ao catálogo do Prime Video. Sendo a terceira parceria entre o cineasta e a A24, seguindo os excelentes Hereditário e Midsommar – O Mal Não Espera a Noite, o projeto foi o maior investimento da produtora. Com um orçamento de 35 milhões de dólares e apenas 11 milhões arrecadados em bilheteria, o longa, infelizmente, não se pagou.
É realmente válido para discussão sabermos onde exatamente o projeto falhou. Talvez na divulgação? Ou a duração, que naturalmente afasta o grande público? De qualquer forma, o resultado não foi o esperado. Mas, fato é: Aster é um dos grandes nomes do cinema, dos quais, temos que sempre ficar de olho no futuro para ver como ele irá se desafiar e seu próprio público também. Até mesmo o renomado diretor Martin Scorsese elogiou-o em uma conversa, dizendo que ele é ”uma das novas vozes mais extraordinárias do cinema mundial”.
Mas, será que ele realmente acertou pela terceira vez ou cometeu o primeiro erro em seus longas-metragens? Confira a nossa crítica abaixo.
No filme, Beau (Joaquin Phoenix) é um homem extremamente apreensivo e neurótico, com uma relação conturbada com sua mãe (Patti LuPone). Quando ela morre, o rapaz precisa ir até sua antiga casa para o funeral, contudo, a viagem acaba sendo dificultada por uma série de obstáculos imprevisíveis. Agora, ele precisa enfrentar seus piores e mais absurdos medos.
Surrealismo em Beau Tem Medo

Os dois filmes anteriores do artista seguiam ao menos uma linha lógica de raciocínio, mesmo com muitos momentos contemplativos para interpretação. É interessante ao assistir Beau, logo de cara, compreender que esta não se trata de uma experiência convencional de absorção. Não estamos lidando com uma história passível de sentido e linearidade, mas sim, sobre como todos os aspectos isolados que a formam vão nos impactar como impactam o protagonista.
Nesse sentido, uma das escolhas mais rigorosas da direção é, num filme onde Beau tem medo, nos causar o mesmo estado. Essa ansiedade em pensar que todas as pessoas ao redor querem te ferir, ou que você está constantemente fugindo de uma perseguição interminável é aterrorizante como imersão. Visto que o personagem nunca tem um momento em que ele não é passivo de todos os ambientes e personagens. Ele está sempre preso nessa aura psicológica avassaladora, mas isso acaba sendo questionado em certo ponto. Afinal, ele não consegue fugir ou não quer fugir? E esse absurdo ao redor acaba sendo abordado de modo com que tudo pareça um pesadelo.
Então, esses elementos surreais na mente do personagem são o ponto-chave do filme para você experimentá-lo e decidir se vai gostar ou não. E é deslumbrante como, nesses empecilhos frequentes que ele vivencia, as mais variadas sensações são trabalhadas: o medo, a raiva, o amor, a solidão e a clareza. Mas isso tudo nem sempre precisa fazer sentido da forma tradicional, aqui é ilustrado de modo cru, à flor da pele. Nesse aspecto, é encenada uma das melhores sequências do ano, contada por meio de uma animação misturada ao live-action, com todas as graças da teatralidade, dignas de uma linda história sobre a trajetória de uma vida, sempre ressaltando seus ciclos e inconstâncias.
Um filme repleto de metáforas

Conforme a trama vai se evidenciando, suas intenções vão ficando cada vez mais claras. Percebemos como Beau é um personagem absurdamente problemático, mas cheio de camadas. E logo existe essa compreensão de que ele age de tal forma devido a uma relação no mínimo esquisita com sua mãe igualmente perturbada. Dado o seu histórico de crescimento ao lado dela, ele obteve diversos problemas em lidar com aspectos fundamentais da sua vida, como, por exemplo, relacionamentos. Dessa forma, é curioso como o filme lida com situações que servem como parcela da jornada e simplesmente as descartam de maneira apática, e junto das misturas de cenas distintas, quebra a estrutura por completo.
É claro que a falta de uma presença paterna também causa influência nisso, visto que essa referência inexistente (carregada por uma mentira) permitiu com que sua vida fosse completamente influenciada pela presença materna. Porém, essa presença, ao invés de ter sido saudável, acabou por ser absolutamente traumática. É curioso também, como a cena mais maluca do filme, envolvendo um órgão sexual masculino, pode representar que o fato de Beau não ter conhecido seu pai, fez com que em sua cabeça ele simplesmente não tenha um rosto e, sim, tenha sido exclusivamente algo que o gerou, e nada mais.
Portanto, Beau Tem Medo, por mais que em algum momento abandone suas alegorias brilhantemente bem trabalhadas em troca de algo mais expositivo, consegue ser eficaz à experiência e está longe de ser decepcionante. Ari Aster, em meio às tantas maluquices que sua proposta traz um diferente tipo de sentido, transmite subtextos psicológicos que envolvem os mais variados conflitos, sendo a autoridade que a família exerce sobre nós como o maior deles.