Na Inglaterra do século XIX, os mais pobres sofriam com a Grande Fome da Batata. As plantações do tubérculo foram atingidas por uma praga no norte da Europa, e muitos ingleses morreram de fome, pela falta de outros alimentos.
Parece que a Grande Fome da Batata trouxe um punhado de assassinas na época. As mulheres precisavam sobreviver, e matar havia se tornado uma consequência indispensável para se conseguir o que queria. Entre as Serial Killers, havia alguém que não deixava ninguém ficar em seu caminho: Mary Ann Cotton.
O conforto da riqueza
Nascida Mary Ann Robson em 1832, a menina era uma criança admiravelmente linda. Filha de um casal pobre que sempre se mudava de lugar, seu pai era um mineiro que estava com frequência procurando trabalho. Sua irmã mais nova morreu muito cedo, e aos nove anos de Mary, o pai também morreu, ao cair no buraco de uma mina. A beleza da futura assassina era tão marcante, que quase um século depois, a vizinha da família Robson ainda se lembrava dos “belos olhos negros” da menina.
Depois da morte do pai, era hora da garota ajudar no sustento da casa. Na adolescência, foi costureira, uma professora em uma escola dominical e uma criada de uma família rica. Poder trabalhar em um lugar com tanto luxo mudou para sempre a ainda inocente Mary Ann, mostrou a ela que existia um conforto na riqueza. O mundo poderia estar morrendo de fome, mas ver alguém de joelhos limpando o chão da casa de Mary Ann trazia um alívio confortável de que tudo ficaria bem.
Escalando para fora da pobreza
Aos dezenove, a jovem de belos olhos negros se casou com William Mowbray em sua primeira escalada para sair da pobreza. Após o casamento, foram morar em uma favela onde Mary teve quatro ou cinco filhos que morreram sem sequer serem registrados. A única filha que sobreviveu, Margaret Jane, morreu de escarlatina e exaustão depois da família decidir voltar a morar no norte da Inglaterra.
Como o pai de Mary, seu marido também seguiu caminhos parecidos. William trabalhou com serviços pesados e desgastantes com baixa remuneração, e a esposa e ele continuavam se mudando de um lugar para outro.
Depois de uma porção de filhos mortos sucessivamente, sem que a própria mãe pudesse ter a chance de conviver por um período, é natural que se questionasse a maternidade. Mary Ann deve ter se perguntado se seus filhos eram descartáveis, talvez fossem inadequados para a sociedade ou ela apenas não tivesse nascido para ser mãe.
De qualquer maneira, um dia Mowbray conseguiu um trabalho em um navio a vapor, e a dupla se estabeleceu em uma cidade perto da costa. Tiveram três filhos: Isabella, outra Margaret Jane e John Robert. Quem sabe reutilizar o nome da falecida Margaret Jane não dava indícios de que crianças tinham certa dispensabilidade para a Sra. Mowbray a essa altura?
Mary Ann aproveitou que o marido passava tanto tempo no mar para se envolver com o mineiro ruivo Joseph Nattrass. Depois de seu envolvimento com Nattrass, ela se tornou uma mulher mais independente, que não seguia mais o marido favela após favela.
E, que também havia aprendido que o arsênico podia ser mortal para o corpo humano.
Planos improvisados
Em 1865, William Mowbray morreu. A causa de seu falecimento está escrita como “febre do tifo e diarreia”. Na época, era comum que os médicos abreviassem a febre tifoide com “tifo”, mas as duas doenças tinham características diferentes, com a febre tifoide de fato tendo efeitos semelhantes ao envenamento por arsênico.
Sua morte foi muito favorável à esposa, que recebeu o dinheiro do seguro, e se mudou com as duas filhas para à cidade vizinha, onde Nattrass vivia. Pouco tempo depois, Margaret Jane morreu também de febre do tifo (será?), e Isabella foi morar com a avó.
Livre das crianças, Mary fez uma infeliz descoberta sobre o amante: Joseph já era casado. Claro que ela sentiu um golpe em suas expectativas, mas de forma muito engenhosa, decidiu voltar para a antiga cidade e se tornar uma enfermeira.
Então, um de seus pacientes chamado George Ward, se encantou com a nova funcionária. Ele estava maravilhado com essa criatura angelical que cuidava agora dele. Ward pediu a mão de Mary em casamento, e em pouco tempo, a enfermeira tinha um novo personagem em sua vida romântica.
Mas sua partipação foi efêmera, no mínimo, já que em menos de quinze meses o pobre Ward partiu para o outro lado. Sua morte teve os sintomas de uma intoxicação de arsênico: diarreia, dores no estômago e formigamento nas mãos e pés.
Nova morte, nova vida
Viúva pela segunda vez, Mary Ann tomou a decisão de viver uma nova vida. Mudou-se para outra cidade, e garantiu um emprego como doméstica em uma casa de um rico pai com cinco filhos. A esposa de seu novo patrão havia falecido há pouco tempo.
A família Robinson teve o caçula morto uma semana depois da chegada da doméstica, antes do Natal de 1866. Em um intervalo de 24 horas, o menino apresentava o primeiro sintoma de doença e a convulsão que lhe tirou a vida. Aparentemente, Mary Ann não se sentia muito disposta a esperar para colocar as mãos no endinheirado pretendente James Robinson.
A boa notícia (ou não) é que, no início de março, a Serial Killer já ostentava uma barriga grávida de James. Flutuando nas nuvens, a gestante ficou verdadeiramente chateada quando teve que ir cuidar da mãe doente. Mesmo sendo uma talentosa enfermeira, nove dias depois, sua mãe faleceu. Claro que os vizinhos acharam aquilo esquisito, ainda mais porque Mary vasculhara os pertences da doente de um jeito quase ansiosa antes do falecimento.
Enfim, a enlutada ignorou as más línguas, pegou a filha Isabella e voltou para a residência dos Robinson. Em abril de 1867, três crianças morreram. Isabella Mowbray, de “morte gástrica”, Elizabeth, de “febre gástrica”, e o caçula James de “febre contínua”.
Decerto, a madrasta não gostava muito de crianças a ponto de tolerá-las por muito tempo. Embora as mortes tenham acontecido em curto tempo, não recaíram suspeitas sobre a futura Sra. Robinson, pois as mortes infantis eram frequentes para uma época com higiene básica precária e diagnósticos errôneos.
A Sra. Robinson está sempre de saída
No mês de agosto de 1867, Mary Ann se tornava oficialmente Mary Ann Robinson. Posteriormente, a filha dessa união nasceu em novembro, mas partiu meses depois por “convulsões”. O recém-casado James Robinson nem sequer se atrevia a pensar que sua esposa podia ser capaz de fazer algum mal, para seu próprio bem.
‘Naquela época, não deixou sua mente insistir em alguns pensamentos — ou melhor, não se atreveu a pensar’
Dois anos depois, o Sr. e a Sra. Robinson tiveram um bebê chamado George. A chegada de um novo membro à família trouxe também problemas conjugais. Parece que Mary Ann estava realizando pequenas dívidas, guardando dinheiro que dizia ter gasto, e como se não fosse o bastante, ainda colocou o último filho vivo como garantia caso não pagasse suas roupas novas.
Usar um bebê como garantia de compra deixou James furioso, e Mary tomou a decisão de fugir com o bebê. Cansado de todos aqueles problemas, Robinson também teve uma atitude brusca: fechou a casa com tábuas e resolveu morar com a irmã.
Meses depois, Mary voltou com o bebê como se nada tivesse acontecido, e o deixou na casa de um amigo para supostamente, escrever uma carta. A mãe nunca o buscou, e o pequeno Robinson foi entregue ao pai. Talvez após tantas sucessões de mortes, Mary tenha concluído o que não foi expresso abertamente: não teria mais chances com aquele casamento. Com certeza, seu marido suspeitava estar casado com uma assassina.
Então, Mary Ann saiu de cena mais uma vez, e adentrou em seu último casamento.
O útil e agradável
Era na vida doméstica que nossa assassina prosperava. Aqui, estavam suas armas e estratégias de guerra para ser a mais típica mulher vitoriana: um sucesso como dona de casa. E, muito ciente de suas habilidades, Mary apenas precisou esperar pela oportunidade certa. Não demorou para que uma vítima chegasse até suas mãos.
Como se programado, a rica Margaret Cotton trocava correspondências com uma Mary que conhecia de anos atrás. A generosa Margaret tinha um irmão, Frederick Cotton, que como viúvo com duas crianças, estava desesperado por uma governanta.
Juntando o útil ao agradável, ela decidiu ajudar o irmão enviando a mais que qualificada Mary Ann. Que pena que Margaret não tinha noção do que estava fazendo aos Cotton. A irmã de Frederick morreu quatro semanas depois de a nova governanta ser contratada. Sua riqueza foi herdada para o irmão, que logo engravidaria Mary Ann.
Mesmo nunca tendo assinado um divórcio, ela se casou com Frederick no outono. Também fez um seguro de vida para seus enteados, é claro. Os cinco foram viver em West Auckland, no ano de 1871. Foi uma enorme coincidência que a rua dos Cotton tinha um vizinho ruivo que Mary já conhecia muito bem. Joseph Nattrass não estava casado dessa vez, e muito em breve, Mary Ann Cotton também não estaria.
Apressada e descuidada
Mary Ann Cotton não era exatamente alguém paciente. Ela estava sempre confiando na realidade mórbida com alto índice de mortalidade infantil para explicar o motivo de sempre estar com a morte ao seu lado. Porém, nos últimos tempos, Mary estava confiando até demais na falta de higiene para justificar o injustificável…
Desse modo, Frederick Cotton morreu em um estalar de dedos. Ao passo que, Nattrass se tornou um “inquilino”, morando com a viúva Cotton e suas crianças. Esse fato, e o caso de que a Sra. Cotton andava flertando com o cobrador de impostos Quick-Manning não caiu bem aos olhos de seus vizinhos, certamente.
Ao contrário do que você deve pensar, Mary Ann com certeza tinha planos de se casar com Nattrass. Ele representava um sonho que tinha sido deixado para trás, uma aventura emocionante, uma união incompleta. Mas antes do amor estava o dinheiro, e Quick-Manning estava encantado por como Mary Ann cuidou dele quando estava sofrendo com a varíola.
Além da compaixão
Os vizinhos dos Cotton estavam com muita pena da viúva com três filhos, mas morar com um homem e seduzir outro estava além da compaixão. Tudo piorou quando perceberam que Mary estava maltratando os filhos do morto Frederick. As crianças estavam tão magrelas que pareciam morrer de fome lentamente.
Frederick Cotton Jr., Robert Robson e Joseph Nattrass morreram com uma diferença de vinte dias um do outro. Um incidente curioso aconteceu, no entanto. Aparentemente, uma garota da vizinhança resolveu ajudar as crianças doentes, viu que o bebê não conseguia respirar direito, e perguntou à mãe quem deveria trazer para ajudar. Mary Ann disse: “Ninguém.”
Outra pessoa foi ajudar Joseph Nattrass, que estava se contorcendo em grande agonia. Contudo, o amante da Sra. Cotton foi bem categórico ao dizer:
‘Não é febre que eu tenho’
É, com certeza, o ruivo sabia que sua amante era responsável pelo envenenamento. Mas não viveu o suficiente para contar isso a alguém. Nattrass tinha convulsões enquanto o cadáver de Robert Robson ficava do lado. Decerto, Mary Ann estava economizando nas despesas do funeral para enterrar ambos ao mesmo tempo.
A madrasta má
Nada surpreendente, Mary Ann engravidou outra vez. O pai era o cobrador de impostos, Quick-Manning, e os dois se não houvesse um inconveniente no caminho: Charles Edward Cotton. Era o único enteado que Mary Ann deixara com vida, mas isso não significava que ela gostava dele.
Todos notaram que a viúva não suportava o pequeno Charlie. A mulher puxava seus cabelos, machucava as orelhas, e em plena Páscoa atirou o único brinquedo do enteado no fogo: uma laranja.
Thomas Riley era um farmacêutico local, e um dia, parou na casa da madrasta má para perguntar se ela estava disponível para cuidar de um doente com varíola. Entretanto, a conversa sempre acabava no mesmo tópico, o quanto Charles era um fardo… O pobre menino ficou no canto escutando a conversa, encolhido.
Mary pouco se importou com a presença da criança, e indagou a Thomas se ele não possuía interesse em levar Charles para uma casa de correção. Uma casa de correção era uma instituição que dava moradia e trabalho para os pedintes das cidades inglesas. Thomas se recusou.
‘Talvez isso não importe, já que não vou ter tanto trabalho assim. Ele irá embora, como o resto da família Cotton’, disse Mary.
Uma semana depois, Thomas Riley viu que Mary Ann Cotton estava muito agitada em frente à porta da própria casa. Charles Edward estava morto, e a ex-madrasta implorava para que o vizinho visse o corpo já sem vida. O comentário de “ele irá embora” tinha deixado tudo muito óbvio, e Riley sabia que ela era responsável por aquela morte. Então, sem ver o cadáver, se dirigiu à polícia.
Os truques de uma mulher desolada
A razão pela qual a assassina chamou Thomas para ver o corpo era fácil de descobrir. Com o intuito de encenar uma mulher desolada, Mary Ann tinha o hábito de convidar pessoas para olhar as vítimas. Chamava médicos, e pedia curas para as tais convulsões. Ao interpretar a mãe triste, a esposa desesperada que tinha lágrimas escorrendo pelo rosto, não seria descoberta.
Porém, dessa vez, Mary Ann foi pega. O corpo magro de Charle Edward foi examinado, a morte descrita como natural. No entanto, o médico legista deve ter tido suas suspeitas, já que preservou as vísceras da vítima em potes de vidro, os enterrando abaixo do jardim.
Os rumores das aptidões de Cotton para a fatalidade corriam pela cidade, e não demorou para que a população convencesse o médico a reexaminar Charles. Então, o homem desenterrou os potes, e usando outra técnica, achou arsênico em toda parte. Mary Ann foi presa um dia depois.
Mary Ann Cotton, culpada
Logo as acusações se acumularam. Suspeitaram que a Serial Killer podia ser culpada pelos assassinatos de Joseph Nattrass, Frederick Cotton Jr., e o bebê Robson, e após serem examinados, os corpos mostraram altas quantias de arsênico. Mas, ninguém encontrou o corpo de Frederick Cotton, ainda que cavassem inúmeras sepulturas.
Na prisão, o bebê de Quick-Manning nasceu. E, usando da esperteza, a recente mamãe amamentava a cria em frente à corte. A imprensa escrevia o quanto a acusada era “delicada e cativante” em seus textos, pontuando que os retratos não favoreciam a beleza da assassina em série.
Em síntese, sua defesa estava pautada na circunstância de que nenhum arsênico foi encontrado na casa de Mary Ann após a morte de Charles Edward. Podia ser que o envenenamento era, na verdade, por causa da fumaça de arsênico do papel de parede, e dos flocos de arsênico com sabão que a madrasta utilizava para limpar a casa.
A teoria foi rapidamente desmentida por um médico bem-sucedido. Havia muito veneno nos cadáveres para ser um acidente. Um dia, a defesa fez um discurso sobre o quanto era contraditório uma mãe matar o próprio filho.
Como uma mãe poderia olhar para o belo sorriso de um bebê sabendo que o envenenara? Mary Ann chorou enquanto ouvia as frases, sabendo que era muito bem capaz de fazer aquilo muitas vezes. Quem sabe uma assassina não podia se sentir culpada de vez em quando?
O passo final da maternidade

Declarada culpada, sua sentença foi de morte por enforcamento. Prestes a morrer, Mary escrevia a seus familiares e amigos para que fizessem uma petição para adiar a execução. Insistiu ser inocente, dizendo que mentiras foram ditas sobre sua pessoa. Implorou para que James Robinson, o marido que sobrevivera, tomasse o bebê George.
Certamente, implorar para que cuidassem do seu bebê era um gesto maternal. Contudo, dias antes, a condenada foi vista esfregando sabão nas gengivas em uma tentativa de adoecer o bebê, e poder ter a vida poupada para cuidar dele.
Tudo que Mary Ann Cotton conhecia era uma vida de casamento, gestações e morte. Era um ciclo constante que nunca era interrompido. Não importava o que acontecesse, ela sempre poderia encantar e matar em seguida para iniciar de novo. A maternidade era uma fase curta que seria ultrapassada no intuito de ganhar mais dinheiro.
De um modo esquisito, querer que seu bebê fosse doado ou que alguém cuidasse do pequeno ser representava que Mary entendeu que a jornada chegara ao final. A vida como ela conhecia se encerrava.
Em 24 de março de 1873, Mary Ann Cotton se arrastou enquanto soluçava para o cadafalso. Pediu a Deus que tivesse misericórdia de sua alma, e foi enforcada. O Burnley Advertiser escreveu que “nenhum monstro mais hediondo jamais respirou sobre a face da Terra.”, e uma peça sobre Mary Ann estreou uma semana após sua morte. As crianças cantaram sobre a assassina nas ruas: Mary Ann Cotton/ Ela está morta e ela é podre/ Ela fica em sua cama/ Com os olhos bem abertos.
A vida em um vício
Mary Ann seria fonte de esquecimento em pouco tempo. Mais alguns anos, e a Inglaterra ficaria estarrecida com a presença de Jack, o Estripador, um Serial Killer muito mais notável. Diriam até que nunca houve uma assassina em série antes de Jack.
No entanto, ninguém sabia ao certo o que Mary Ann Cotton realmente queria. Fama, amor, dinheiro, filhos… Nada realmente durou para a garota de belos olhos negros. Pode ser que a eterna viúva estava apenas viciada em reproduzir o que conhecia.
Ela era uma governanta impecável, uma doméstica de dar inveja, e uma excelente enfermeira. Mesmo assim, suas aspirações de vida estavam sempre inclinadas ao lado amoroso. Mary encontrava alguém que se alinhava com seus desejos, e antes que pudesse experimentar uma vida, a encerrava.
De toda forma, a assassina utilizou tudo que podia a seu favor. A sociedade vitoriana implorava por uma mulher doce que cuidasse do lar, do esposo e dos doentes. Mary sabia disso, e fazia com que suas circunstâncias sempre se encontrassem com o candidato ideal para materializar a vida dos sonhos.
Mary Ann Cotton alcançou a vida que queria vezes demais, e se entediou a ponto de tornar a morte em um hábito viciantemente corriqueiro.
Fontes: Lady Killers: assassinas em série/ Tori Telfer, Mega Curioso,