Morella e seu amado estão felizes juntos. Mesmo sem amor ou paixão, há uma enorme admiração e companheirismo neste casamento. Discussões intelectuais e leituras em conjunto são um hábito do casal.
Então algo muda, a admiração é convertida em repulsa. Ele deseja a cada dia mais sua morte, motivado pelo medo que sentiu ao vê-la usando de forças desconhecidas para obter informações de um livro.
É impressionante como Poe consegue descrever o desespero que o medo nos causa. A cada parágrafo, é somos capazes de sentir a angústia, a ânsia do personagem em se livrar de Morella o mais rápido possível…
Poderei dizer então que ansiava, com desejo intenso e devorador pelo momento da morte de Morella? Ansiei; mas o frágil espírito agarrou-se à sua mansão de argila por muitos dias, por muitas semanas, por meses penosos, até que meus nervos torturados obtiveram domínio sobre meu cérebro e me tornei furioso com a com demora e com o coração de um inimigo, amaldiçoei os dias, as horas e os amargos momentos que pareciam ampliar-se cada vez mais, à medida que sua delicada vida declinava como as sombras ao do morrer do dia”
Para piorar a situação, a mulher parece ter reencarnado em sua filha, e isso é o bastante para aterrorizar este homem de novo.Tudo foi herdado: a inteligência, a aparência, os hábitos da falecida.
E, estranhamente, cresceu em estatura e inteligência, vindo a tornar-se a semelhança perfeita daquela que se fora.”
Mesmo assim, o protagonista não sabe qual a loucura que passou por sua cabeça ao batizá-la com o nome da progenitora, Morella. Como se profetizado, é agora que as palavras de sua ex-esposa se tornam verdadeiras.
Que espírito maligno falou dos recessos minha alma quando, entre aquelas sombrias naves e no silêncio da noite, eu sussurrei aos ouvidos do santo homem as sílabas ‘Morella’?
[…] — Vou morrer e, no entanto, viverei.”
Isso nos leva a um debate interessante: algo é confiável se narrado em primeira pessoa? Tudo pode ter sido um delírio, especialmente se considerados os poucos diálogos, as omissões de acontecimentos…
Sem dúvidas, foi intenção do autor nos chocar com informações subentendidas, mas certos elementos tornaram o texto melindroso, e disperso. Há tantos questionamentos deixados de lado que poderiam ter sido facilmente respondidos em mais três páginas… Como a mulher conseguiu dar à luz? Como ele conseguiu encobrir os rastros do assassinato? De quais práticas sombrias sua esposa era devota?
Por outro lado, é incontestável que o horror se constrói de maneira nítida ainda que por caminhos incertos. Sem dúvidas, o medo pelo desconhecido é colossal, e é certa que esta foi a intenção do escritor ao nos fornecer poucos detalhes. E, acredite, funciona. A história se desenvolve em um ritmo contido e devagar, de modo que somos pegos de surpresa quando lemos as últimas linhas. O susto faz com que você analise tudo que leu e repense nas pistas deixadas ao longo da narração.
Escrito em 1835 por Edgar Allan Poe, Morella é sobre o poder do medo em ultrapassar barreiras morais e psicológicas. Uma leitura rápida e acessível.
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