Em Saboroso Cadáver, a chegada de um vírus faz com que a carne de animais seja mortal para a população mundial. Agora, o canibalismo é a regra, e humanos são criados para abate.
Desde o início, somos bem instruídos: nada de dizer que a carne é feita de humanos. Agora chamamos de “carne especial”. É assim que você encontrará as partes dos corpos nos supermercados, embaladas como premium. Afinal, a carne especial não é acessível, ela é mordomia. Você sente saudade de comer carne barata? O mercado negro pode oferecer um imigrante, se preferir.
Quem nos explica isso, e tudo que precisamos saber, é Marcos Tejo, o protagonista deste futuro distópico e supervisor do frigorífico Krieg, um dos melhores na produção e abate das “cabeças”. Tejo é um personagem apático, que conta em um frio lamento os detalhes de como as coisas funcionam nesse mundo.
Quem é Marcos?
Marcos diz que ainda debatem se o vírus existe de verdade ou se apenas foi uma invenção para diminuírem a superpopulação do planeta. Também fala que não podemos chamar as criaturas que servem de comida como humanos, mas como “cabeças”. Marcos diz que sente seu estômago revirar quando está na fábrica, mas que continua lá para poder pagar o asilo caro do pai idoso, evitando que revirem o túmulo do pai e comam seus restos.
Mesmo que Marcos demonstre tristeza com a situação dos animais, e dos humanos na fábrica, é difícil se conectar com o personagem. A empatia surge quando pensamos que também estaríamos perdidos com a situação. Porém, mesmo assim, há sempre uma distância entre o leitor e o protagonista. É difícil entender como suas relações funcionam, e o caráter de Marcos em meio a tudo.
A mulher
É por isso que, quando Marcos recebe um “presente” de um amigo, ficamos apreensivos. Considerada uma carne de primeira, a mulher fica sob os cuidados do personagem, que fica sem saber o que fazer.
Aos poucos, observamos Jasmine se acomodar no ambiente, e viver a vida merecida de um ser humano. Agora ela pode comer comida ao invés de ração, usar roupas e assistir TV. Porém, essa quietude vem acompanhada de uma crescente tensão. Até quando essa paz irá durar?
Saboroso Cadáver vale a pena?
Saboroso Cadáver nos promete uma leitura crua, livre de romantismos e cumpre de acordo. São inúmeras as cenas impactantes que surgem na cabeça enquanto se lê a visão de um mundo sem esperança.
Aqui, o fascínio que obtemos ao ler sobre esse mundo doentio está entrelaçado aos nós que surgem no estômago enquanto avançamos as linhas. Recebemos informações muito precisas sobre as etapas do abate, assistimos o abate, e também vemos o abate nascer. As descrições são tão cruéis quanto geniais, em uma criatividade horrenda que nos permite imaginar todas as situações descritas.
No entanto, vale muito a pena. A obra é extremamente bem trabalhada. Agustina Bazterrica consegue entregar uma riqueza de detalhes a ponto de ser angustiante, junto de um personagem duvidoso que não conseguimos deixar de sentir simpatia.