Dirigido por William Friedkin, O Exorcista certamente é um dos filmes de terror mais influentes de todos os tempos, sendo talvez, o mais influente. O longa, baseado na obra homônima de William Peter Blatty (que também assina o roteiro), acabou virando um dos filmes de terror mais lucrativos de todos, tendo apenas 12 milhões de dólares de orçamento e faturando mais de 400 milhões em bilheteria.
É claro que o tema religioso e seu contraponto abordado de maneira forte naturalmente geraria uma repercussão, mas as coincidências que ocorreram no set envolvendo mortes e acidentes ajudaram a imortalizar O Exorcista no imaginário popular como um filme amaldiçoado.
O impacto cultural em volta deste projeto fez com que ele se tornasse o primeiro filme de terror na história a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme. E mesmo sendo indicado à outras nove categorias, venceu apenas duas, sendo essas: Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som. Inclusive, existe uma curiosidade interessante por trás do som, visto que os gemidos e grunhidos de Regan durante sua possessão foram feitos a partir da mixagem de gritos de porcos.
Mas, afinal, por quais outros motivos esse clássico continua intacto até hoje? Confira a nossa crítica abaixo:
No filme, Regan McNeil (Linda Blair), uma jovem de 12 anos, brinca despretensiosamente com um tabuleiro Ouija e entra em contato com o demônio Pazuzu. A mãe da menina, Chris McNeil (Ellen Burstyn), nota um comportamento estranho em sua filha e procura ajuda médica para entender o que está acontecendo. Percebendo que só existe uma única saída, ela chama dois padres para realizar um exorcismo na garota.
Lembrando que a versão original do diretor está presente no catálogo do HBO Max.
Progressão de O Exorcista
Desde já, vale dizer que a construção em torno de Regan é sublime. Logo nos primeiros 20 minutos, há uma relação estabelecida entre ela e sua mãe, e em como esse vínculo é verdadeiramente afetuoso. Então, quando ela está deitada em sua cama, prestes a dormir, a direção opta por utilizar um plano fechado no rosto da querida garota. Essa escolha inicial de focar na feição inocente, doce e infantil dela é primordial para o que vem a acontecer depois. Pois, conforme os estágios da possessão vão se mostrando, gradativamente somos impactados, afinal, não é de uma hora para outra que ela fica visualmente horrenda. Até seu próprio vocabulário vai escalonando.
Dessa forma, o filme impacta não somente pelo horror da situação, mas por como chega naquilo. O susto não serve exclusivamente às cenas de Regan possuída, mas em toda a atmosfera criada antes. Em paralelo à trama que envolve Pazuzu, a história do Padre Damien é essencial ao filme, visto que também acaba sendo sobre ele. E isso acaba refletindo na montagem, que cola os acontecimentos de forma propositalmente estranha. Cenas gritantes e cenas pacíficas se complementam, fazendo não só com que nos sintamos incomodados com essa dualidade e que os jump-scares funcionem, mas com que o Padre seja aos poucos evidenciado ao conflito principal.
A experiência se potencializa ainda mais com os sons amedontradores. O texto por si só é ousado, mas a voz grave de Mercedes McCambridge ao dublar Pazuzu, juntamente do ressalte de gritos estrondosos, deixa qualquer um contorcido com essa aura maligna e desconfortável. A trilha sonora original também se destaca por suas sequências minimalistas e por como está encaixada em momentos-chave, contribuindo significativamente para o espanto. A par disso, o excelente uso de fumaça, que transmite uma natureza etérea, bem como a sensação de frio causada pelo místico. Ou seja, todos os aspectos conversam entre si em uma unidade.
A presença do profano
Chega a fascinar como esse filme consegue ser feio, mas nunca no mal sentido do termo. É pesado quanto à imagem e uso de palavras. A presença simbólica da ameaça existe até quando nada demais está acontecendo em cena, seja pela estranheza do silêncio ou a percepção de algo errado. A belíssima técnica dos efeitos práticos continua assustadora e marcante até hoje, por ser tangível aos olhos e ao mesmo tempo alterar a física a favor do sobrenatural. O trabalho de maquiagem é muito eficaz nesse sentido, por abranger uma textura bem acabada a ponto de gerar repulsa. Não só a maquiagem de Regan, mas do próprio Padre Merrin, cujo ator sequer estava perto da velhice mas seu personagem sim.
É interessante também como o mal assume a linguagem do filme, com aplicações de zoom in e zoom out a fim de causar uma constante movimentação de proximidade com aquelas situações emblemáticas. O jogo de xadrez feito com Pazuzu e os padres rendem momentos de alta tensão e imprevisibilidade, visto que o demônio mistura mentiras com verdades para enganá-los. A manipulação de objetos, somada às coisas horríveis sendo ditas ao mesmo tempo que uma força do bem tenta acabar com isso, prende a atenção a ponto de tirar o nosso fôlego. E nesse contexto, inúmeras cenas icônicas causam aversão por tamanha veracidade. Além de, claro, a entrega física e expressiva de Linda Blair, que, mesmo sendo uma criança na época, eternizou a imagem do filme.
Portanto, O Exorcista é a referência definitiva do terror. Tudo o que foi feito aqui revolucionou a forma de fazer esses filmes; muitos até tentaram mas nunca chegaram aos pés do clássico (nem mesmo suas continuações). Estamos lidando com um grande exemplo de filme que utiliza todas as suas ferramentas audiovisuais em prol de contar a história e transmitir as mais variadas sensações através de suas técnicas. É, sim, um filme assustador, mas que consegue esse feito por tamanha competência em tudo que se propõe. De fato, um equilíbrio perfeito que torna essa uma das grandes obras-primas do cinema.